A legislação ambiental não é respeitada neste Brasil. O artigo constitucional que veta a atividade em áreas protegidas é descumprido. Essa constatação foi mais uma vez comprovada. Desta vez, a partir do levantamento feito pelo jornal “O Globo” e do projeto Amazônia Minada, do InfoAmazônia, com base em dados da Agência Nacional de Mineração (ANM).
O estudo, divulgado nesta segunda-feira, 28/03, identificou 50 requerimentos para exploração mineral autorizados pela ANM em territórios, em tese, proibidos. Destes, há 29 títulos ainda válidos para lavra garimpeira, dos quais 19 seriam em Unidades de Conservação e dez em terras indígenas. Das autorizações válidas, a maioria (20) foi concedida no atual governo.
Você tem acompanhado aqui neste espaço a repercussão do PL 191/2020 que autoriza a exploração minerária em terras indígenas. Se os povos originários já sofrem com invasões e violência de garimpeiros em suas terras, imaginem se a “boiada passar” por meio do projeto de lei. O PL tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, com previsão de votação na semana do Dia do Índio, 19 de abril.
Nas unidades de conservação integral, a lei federal nº 9.985/2000 determina que, nestes territórios, é “admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais”. Já nas terras indígenas, a mineração só seria permitida com legislação que regulamentasse a atividade, com autorização do Congresso Nacional e audiência das comunidades atingidas, de acordo com a Constituição Federal. O artigo nunca foi regulamentado e, por isso, nenhum pedido de mineração em áreas indígenas foi autorizado até hoje.
Dos 29 títulos de garimpo válidos, 24 são no Pará e cinco em Rondônia. Entre as substâncias autorizadas para serem exploradas, estão minério de ouro (21) e para cassiterita (8), utilizada na indústria. Seis títulos incidem sobre terras dos Kayapós, uma das etnias indígenas — ao lado dos Ianomâmis e dos Mundurukus — mais afetadas pelo garimpo ilegal. Há também três autorizações dentro do território Sawre Muybu, o que compromete o leito do Rio Tapajós, lembra a publicação.
Como você já leu aqui, o mercúrio usado pelo garimpo ilegal no Pará tem provocado mudanças drásticas no modo de vida da população indígena afetada pela substância tóxica na região: as mulheres temem engravidar e o peixe passou a ser consumido apenas duas vezes por mês dentro de várias aldeias.
A ANM negou ao “O Globo” ter dado autorizações para exploração em áreas protegidas. A agência informou que qualquer interessado pode protocolar um requerimento, mas não há autorização quando há interferência com terras indígenas homologadas. Nos processos listados pela reportagem, a ANM afirmou que não foram afetadas áreas indígenas ou unidades de conservação, mas admite que os terrenos podem “estar próximos”, e “eventualmente há exceções pontuais quando a Funai altera o polígono da terra indígena”, realizando novas delimitações.
“A ANM deveria, de imediato, indeferir os pedidos ao identificar sobreposição com área protegida. É um fato gravíssimo o volume gigante de requerimentos em áreas proibidas. Os garimpeiros entram com o pedido para, se um dia houver autorização legal, garantir um suposto direito de preferência, mas isso não deveria valer para terras indígenas e unidades de conservação”, afirmou ao jornal Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas.
Fonte: O Globo
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