A guerra na Ucrânia iniciada pela Rússia na semana passada pode deixar o agronegócio brasileiro apreensivo, mas a ministra Tereza Cristina tentou transmitir tranquilidade aos jornalistas em entrevista coletiva na noite de quarta-feira, 2/03, para falar dos impactos do conflito armado aos produtores que dependem de fertilizantes importados da Rússia. Segundo ela, não há motivos, no momento, para pânico, uma vez que o agronegócio brasileiro tem estoque garantido até setembro. A partir daí, é um incógnita.
Por outro lado, o presidente da República Jair Bolsonaro usou o risco da falta de potássio e possível aumento do seu preço para defender a aprovação pelo Congresso do projeto de lei 191/2020. Esse PL facilita a mineração e a construção de barragens em Territórios Indígenas, mesmo sem aval dos povos que as ocupam.
Como temos dito aqui neste espaço, o Brasil adquire no exterior aproximadamente 85% do volume de fertilizantes aplicado anualmente nas lavouras. A Rússia é uma das principais exportadoras do produto para o Brasil e, em janeiro, respondeu por 30,1% dos adubos e fertilizantes que entraram em território nacional, segundo o Ministério da Economia. Durante os 12 meses do ano passado, os russos foram responsáveis por 23,3% de todo fertilizante que entrou no Brasil.
“A safrinha de milho já está acontecendo, então o que precisava de fertilizantes já está garantido. A safra de verão, que será no final de setembro, outubro, é uma preocupação, mas também temos do setor privado a confirmação de que há um estoque de passagem suficiente para chegar até outubro”, disse a ministra da Agricultura, que pretende se candidatar ao Senado pelo Mato Grosso do Sul.
Tereza afirmou que sua pasta trabalha para diversificar os fornecedores de fertilizantes do Brasil: Canadá, onde ela tem viagem prevista para o dia 12 de março; Irã, onde ela esteve em fevereiro; e Chile.
Ela também disse que há esforços para flexibilizar a entrada de fertilizantes pelos portos brasileiros, eliminando burocracias e agilizando os desembarques por meio de conversar com a Receita Federal e o Ministério da Infraestrutura.
Também acrescentou que a Embrapa fará uma “caravana” de visita a produtores rurais para análise de solos com vistas à diminuição do uso de fertilizantes, mas mantendo a eficiência de produção. Segundo ela, os bioinsumos devem “andar mais rápido”, citando agrominerais, como pó de rocha, e emprego da nanotecnologia para que o Brasil use menos o insumo.
“Temos que ter calma e equilíbrio nesta hora”, acrescentou, dizendo que há aqueles que torcem por “catástrofe” e os que não.
Tereza também afirmou que está “otimista” com o acordo firmado entre a Petrobras e o Grupo Acron para venda da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3) de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, mas que “ainda há um longo caminho a ser percorrido”.
O governo deve lançar nos próximos dias o Plano Nacional de Fertilizantes, elaborado desde o ano passado em parceria com outros ministérios e com a iniciativa privada, para reduzir a dependência do Brasil da importação de fertilizantes.
“O Brasil precisa tratar esse assunto como segurança nacional e segurança alimentar. Então, esse Plano, que fizemos lá atrás, há um ano, sem prever nada disso, era que o governo pensava que nós deveríamos ter para que o Brasil, que é uma potência agroalimentar, tivesse um plano de pelo menos 50% a 60% de produção própria dos seus fertilizantes”, disse a ministra sobre o plano que deve ser apresentado ainda este mês de março.
‘Combo da destruição’
O uso da guerra no Leste Europeu para “passar a boiada”, diante da possibilidade de escassez de fertilizantes, se deve aos seguintes projetos em andamento no Congresso:
- PL da Grilagem (PL 2.633/20 e PL 510/21) e o PL do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/21).O primeiro projeto de lei incentiva a continuidade de ocupação ilegal de terra pública e do desmatamento. Entre outros pontos, o texto anistia a quem invadiu e desmatou ilegalmente terra pública até pouco tempo atrás (2017); permite que grandes invasores obtenham o título de propriedade sem necessidade de vistoria para averiguar a veracidade de suas alegações, extendendo uma regra que hoje vale apenas para as pequenas ocupações (97% dos que aguardam titulação); e concede título a quem já tem outros imóveis rurais ou invadiu terra pública em diversos lugares.O PL 2.159/21, por sua vez, torna o licenciamento ambiental uma exceção em vez de regra, uma vez que restringe, enfraquece ou, em alguns casos, até extingue parte importante dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país.
- O Pacote do Veneno (PL 6.299/02), que prevê a liberação de mais agrotóxicos, inclusive de substâncias já proibidas em outros países.
- O PL da Exploração de Terras Indígenas (PL 490/07), cujo principal ponto, o Marco Temporal, está em análise no Supremo Tribunal Federal, prevê a abertura das terras indígenas para que fazendeiros possam implantar grandes plantios ou criar gado, abre a possibilidade de redução de terras já demarcadas a partir de critérios subjetivos, diminui a proteção aos povos isolados e inviabiliza a demarcação ou a ampliação de terras que já foram demarcadas. Esse projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e pode ser votado no Plenário a qualquer momento.
- O PL da Mineração em Terras Indígenas (PL 191/2020), que possibilita liberação para mineração e construção de hidrelétricas sem entraves em terras indígenas, mesmo sem aval dos povos que as ocupam. Embora dependa da instalação de comissão especial para que seja apreciado e aprovado, há a possibilidade de que manobras regimentais permitam sua votação diretamente no Plenário.
- O PL 5.544/2020, que libera a caça de animais silvestres, e o PL 4.546/2021, que afeta drasticamente a Política Nacional de Recursos Hídricos, ferindo os princípios da descentralização e da gestão participativa da água. O projeto é considerado por integrantes dos comitês e organismos de bacias como o PL da privatização da água.
Veja o vídeo da coletiva da ministra Tereza Cristina: