Por Sidney Alves
Aqui no Pará, sobretudo no interior do Estado, é comum a instalação de uma grande obra de infraestrutura se transformar em problema geral por esbarrar em questões sociais e ambientais. Isto pode ocorrer com a construção de um porto da empresa norte-americana Cargill, em uma ilha no município de Abaetetuba. É o chamado Terminal Portuário de Uso Privado (TUP). O assunto, até então adormecido publicamente, veio novamente à tona na segunda-feira, 31/01, quando o site “Amazônia Latitude” analisou alguns impactos econômicos, sociais e ambientais do empreendimento.
Mas esse tema não é novo para o paraense, especialmente os de Santarém, onde a gigante do agro construiu um porto sobre um cemitério ancestral indígena do povo Tapajós, os primeiros ocupantes da região. A estrutura funciona há uns 20 anos na cidade.
O objetivo desse novo projeto em Abaetetuba é servir para a atracação de grandes navios, ocupando a área do Igarapé Vilar até a Costa Marapatá, e será destinado para a exportação de commodities produzidos nos Estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso, para mercados externos por via fluvial (rios e oceanos) sem uso de rodovias. Porém, poderá ser um grande inimigo para as populações ribeirinha e indígena da localidade.
O projeto está subdividido em duas etapas. Na primeira fase haverá, inicialmente, apenas as estruturas em água. Será quando o terminal irá receber 2 a 3 navios por mês, com estimativa de operação entre 2024 e 2030. Na última fase, já haverá as estruturas em terra e na água. A expectativa é receber cerca de 11 navios por mês, em 2045. A capacidade de movimentação, segundo o projeto, é de 6 milhões de toneladas de soja e milho por ano, podendo ser ampliado para 10 ou 12 milhões de toneladas, a depender da demanda por grãos.
Como publicou o “Amazônia Latitude”, o porto da Cargill será sobretudo um fator complicador para a colônia de pescadores da região, que vive da captura da dourada e do filhote, além da técnica de “borqueio” para a pesca do mapará, entre outros peixes que podem ser encontrados na região.
Para se ter um ideia da importância da pesca em Abaetetuba, a economia local consegue, por ano, um estímulo de R$ 44 milhões, informa a publicação. Com a chegada do porto da Cargill e com todo esse prejuízo provocado, qual será o futuro da população de pecadores de Abaetetuba? Incerto, enquanto o faturamento da gigante de processamento de alimentos em 2018 foi, só no Brasil, de R$ 47 bilhões, segundo a própria Cargill.
Outra situação polêmica corresponde ao local onde será instalado o porto: é uma área pertencente a um projeto de assentamento, isto é, não deveria ser comercializado.
O site “Brasil de Fato” reportou em julho do ano passado os impactos, por exemplo, do porto da Cargill em Santarém: “o desmonte da economia de subsistência baseada na caça, na pesca e na agricultura familiar. Cerca de 12 mil pessoas de 13 povos indígenas foram afetadas direta ou indiretamente pelo empreendimento.”
“Hoje nós temos nossos igarapés secos, aldeias sem água, localidades totalmente invadidas pelo agronegócio, por campos de soja e de milho. O rio Tapajós e o rio Amazonas estão sob ameaça”, relatou a vice-presidente do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), Auricélia Arapiuns, ao site na época.
Problema antigo
O problema se arrasta há anos. Uma audiência pública foi realizada no final de novembro do ano passado na Assembleia Legislativa do Estado (Alepa) para tratar do tema. No mês anterior, fora instaurado o Inquérito Civil pelo Ministério Público no Pará com o objetivo de acompanhar o atendimento das exigências legais, constitucionais e de melhores práticas nacionais e internacionais referentes ao licenciamento ambiental dos empreendimentos relacionados ao porto.
O inquérito foi instaurado após o MPPA ser acionado pela sociedade, como a Comissão Diocesana em Defesa do Território do município de Abaetetuba, que pediu providências devido aos impactos ambientais e sociais que os empreendimentos causariam.
Na ocasião, foi encaminhado um ofício à Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombolas das Ilhas de Abaetetuba (ARQUIA), para que informasse à promotoria de Justiça de Abaetetuba sobre as comunidades quilombolas afetadas e de que forma foram afetadas, com informações sobre modo de vida, ancestralidade, planos para as futuras gerações, atividades econômicas, de subsistência, sociais e culturais. Até o momento, não houve nova audiência para prestação das informações requeridas pelo MPPA.
Os TUPs são terminais outorgados pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para empresas privadas. De acordo com o Ministério da Infraestrutura, de 2019 a 2021, foram assinados 78 contratos de adesão com empresas, que representam R$ 6 bilhões em investimentos no modal portuário.
Veja os produtos da Cargill que podem estar na sua mesa aqui.
Fontes: Amazônia Latitude, Brasil de Fato, Cargill e MPPA