Por Gisele Coutinho
Lembra daquela borracha escolar de duas cores, azul e rosa, que fez parte da vida de várias gerações das nossas famílias e ainda faz? Sabia que ela é feita de borracha natural a partir de látex das seringueiras, uma matéria-prima renovável, que se regenera na natureza e que parte dela é nativa do Pará?
Em Altamira, o projeto Borracha Nativa, da empresa quase centenária Mercur, tem provado ser possível remunerar a população local com o que a natureza oferece. É uma alternativa de trabalho nessa terra marcada por invasões de terra, destruição florestal, queimadas e transformações trazidas pela construção da hidrelétrica Belo Monte.
O coordenador do Laboratório da Mercur, João Carlos Vogt, conversou com o Pará Terra Boa sobre esse capítulo do município. Desde 2010, o projeto de extração do material é desenvolvido em quatro reservas extrativistas, de Riozinho do Anfrísio, do Rio Iriri,do Rio Xingu e das Terras Indígenas Xipaya, sob orientação do Instituto Socioambiental (ISA), além da parceria com Rede de Cantinas Terra do Meio, que reúne 14 associações indígenas, ribeirinhas e da agricultura familiar.
“Nossa ideia sempre foi dar garantia de compra. Quando começamos, eles vendiam a R$ 1 o quilo da borracha e propomos pagar R$ 4 o quilo. Criamos uma relação de confiança com os povos da floresta”, conta João Vogt. Hoje, o bloco de borracha é comprado pela Mercur por R$ 13 o quilo, e a manta de borracha a R$ 20 o quilo.
A manta é mais valorizada por ir direto para a fábrica da Mercur, enquanto o bloco precisa passar por uma usina. Os valores são pagos de acordo com a quantidade produzida.
“Em nenhum momento exigimos quantidades. O jeito de vida deles é diferente. Se eles têm castanha, eles vão colher castanha. Não vamos impor o quanto queremos comprar, compramos o quanto eles produzem. Teve ano que compramos cinco toneladas. Em 2021, compramos duas toneladas. É um volume que representa uns 2% do que precisamos de borracha nativa na Mercur”.
Para suprir economicamente a demanda, a empresa tem como principal origem o Estado de São Paulo. João Vogt explica que enquanto um seringueiro “sangra” de 800 a 1200 árvores por dia em São Paulo, onde as árvores estão plantadas para esse fim, lado a lado, em uma floresta, o trabalho diário é de alcançar 100 a 200 árvores sangradas.
“Temos que pensar no custo superior, logística, deslocamento. Por números, a borracha de São Paulo é mais barata, mas quando falamos sobre agregar serviços socioambientais, você percebe que é um valor muito além do preço. É preciso mensurar esse valor socioambiental para a sociedade como um todo.”
Manejo
Extraído do tronco da seringueira por cortes na casca da árvore, em caminhos na mata nativa paraense chamados “estradas de seringa”, a coleta do látex é realizada na época de estiagem, entre os meses de junho e dezembro.
Esse leite que sai das árvores é utilizado para a fabricação de sacos emborrachados (encauxados), utensílios de produção e de uso familiar e comercializado em forma de blocos e mantas de borracha.
O mais comum antigamente era a extração com uso de fogo, para confecção dos chamados blocos defumados.
“Isso fazia muito mal para as pessoas. Desenvolvemos com eles juntando os saberes tradicionais com o trabalho dos nossos técnicos novos manejos, melhorando algumas formas de fazer e desenvolvendo ouras”, afirma João.
O extrativista extrai o leite, leva para casa, limpa essa matéria-prima, deixa coagular com produtos da floresta e depois de uns dias prensa como um bloco para ser comercializado.
“Outro processo é a manta, que depois de limpar o leite, deixar de um dia para o outro com o coagulante, passa por máquinas de macarrão, daquelas de fazer massa, que levamos para eles. Dali, sai a manta fina, que vai para o varal para secar por uns 7 ou 8 dias. Um processo simples, manual, que pode ser levado para a floresta, como uma tecnologia adequada para esses povos”.
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