Por Lauro Mesquita, especial para o Pará Terra Boa
Ao mesmo tempo em que as mineradoras têm apresentado faturamento recorde e levantam a balança comercial brasileira para cima, no Pará os resultados pujantes parecem não refletir nos indicadores econômicos do Estado como um todo, bem como não alavancam índices educacionais ou de emprego nas ilhas de prosperidade paraenses formadas pelo setor, além de deixarem passivos ambientais.
Para se ter uma ideia da discrepância, o Pará foi o Estado brasileiro que mais exportou minérios no Brasil em 2021. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o faturamento do setor no Pará foi acima dos R$ 94 bilhões durante 2021, um crescimento de 51% em relação ao ano passado. No entanto, o Estado responde por apenas 2,3% do PIB nacional, sendo a mineração paraense responsável por 94% do total de exportações no Estado e 11% das exportações nacionais.
A Lei Complementar 87, conhecida como Lei Kandir, de 1996, isenta do recolhimento de ICMS produtos básicos e semielaborados, como é o caso dos minérios. Por conta disso, a mineração, que é a principal geradora de riquezas do Pará, contribui com apenas 2,5%, em média, do ICMS do Estado.
Somando os outros tributos, como a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM), esse percentual passa para 6% da receita própria do Estado.
“Na questão da mineração, os governos estaduais estão literalmente com o pires na mão. O município, em princípio, ganha mais, mas o aproveitamento dessa bonança também é duvidoso. Inclusive, é algo que precisa ser avaliado pelos Tribunais de Contas dos Municípios do Pará (TCMPA)”, afirma o sociólogo Thomas Mitschen, coordenador do Programa Trópico em Movimento, iniciativa da Universidade Federal do Pará, que estuda e propõe alternativas para o desenvolvimento de sociedades sustentáveis na região amazônica.
A exploração mineral ainda é revertida em Compensação pelos Recursos em Exploração Mineral (CFEM), os royalties da mineração. Segundo dado do Ibram os municípios paraenses de Parauapebas e Canaã dos Carajás figuram no primeiro e segundo lugar do ranking das cidades que mais arrecadaram valores da Compensação no Brasil. Enquanto Parauapebas arrecadou R$ 2,5 bilhões de CFEM, o montante recolhido por Canaã de Carajás foi de R$ 1,9 bilhão. O número representa uma marca recorde.
No plano nacional, em 1o de fevereiro, o Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou os resultados do setor minerador no Brasil em 2021. Puxados pela alta nos preços dos minérios, os resultados foram impressionantes. O faturamento do setor no País foi de R$ 250 bilhões e o saldo das exportações do setor mineral brasileiro foi de quase US$ 49 bilhões em 2021. Esse valor representa um crescimento de 19% em comparação a 2020.
Ilhas de prosperidade
As cidades com atividade mineradora contam com o maior PIB per capta do Estado. Canaã dos Carajás, por exemplo, possui o melhor PIB per capta do Pará e o oitavo do Brasil, com cerca de R$ 290 mil/habitante por ano. Mesmo assim, segundo estudo conduzido pelo Trópico em Movimento, em 2019, esta geração de riqueza não parece refletir, entretanto, na geração de empregos, nem nos indicadores educacionais ou sociais da região.
O sucesso e a lucratividade da mineração em Canaã dos Carajá é justificado pela mina S11D, localizada no município. Maior projeto da história da mineração mundial, ela tem potencial de extração de 10 bilhões de toneladas de minério de ferro.
Apesar de Parauapebas e Canaã de Carajás se apresentarem como duas ilhas de crescimento, mesmo nessas cidades, se forem avaliados por indicadores, como o nível educacional da população adulta e jovem ou pelos índices de vínculo empregatício da população em idade de trabalhar na faixa etária de 17 a 29 anos, pouco se diferenciam da baixa média paraense nesses mesmos quesitos.
Quando verificado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado como um todo, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, último ano de referência, o Pará aparece na 24a posição, Parauapebas na terceira colocação estadual e Canaã de Carajás, em sexto, junto a Castanhal e Novo Progresso.
Segundo o sociólogo Thomas Mitschen:
“Os royalties, na melhor das hipóteses, são distribuídos entre uma, duas cidades. Não há uma política estadual que possa multiplicar a geração de emprego e renda dessas cidades para uma perspectiva pelo menos microrregional. Com isso, o desenvolvimento se concentra. Em nosso estudo, propomos, inclusive, uma aliança entre prefeitos dessas regiões onde há concentração mineradora no Pará. Isto poderia gerar efeitos positivos para diversificar a economia no Estado. Este é o grande desafio e só pode ser feito inserido em políticas estaduais e de cunho nacional.”
Passivos
Em entrevista ao jornal “O Liberal”, a economista Maria Amélia Enríquez, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) comenta: “a situação é preocupante porque além de não financiar o desenvolvimento do Estado, a mineração gera externalidades ambientais, sociais, territoriais, muitas das quais é o Estado que tem de resolver e isso gera despesa para as quais não há a contrapartida da receita”.
O exemplo mais recente nesse sentido ocorreu em 6 de dezembro. Uma explosão seguida de um incêndio em um dos galpões de beneficiamento da mineradora francesa Imerys Rio Capim Caulim gerou intoxicações e pânico no distrito de Vila do Conde, em Barcarena (PA), na região metropolitana de Belém. O produto queimado foi o hidrossulfito de sódio, um pó de cor esbranquiçada, com odor de enxofre usado na exploração mineral do caulim. Os moradores relatavam cheiro forte, dificuldade para dormir, mal-estar e queimação nas vias aéreas. Há ainda a suspeita de contaminação da água.
Como resposta, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Pará (MPPA) e a Defensoria Pública do Estado (DPE-PA) cobraram da mineradora francesa providências urgentes para conter os danos provocados pelo incêndio cobrando fornecimento de água potável, transporte, alojamento e tratamento médico – incluindo medicação – para comunidades do município.
No mesmo sentido, a Assembleia Legislativa do Pará deu início em janeiro a uma Comissão Temporária Interna de Estudos e Acompanhamento. O objetivo é avaliar a extensão dos impactos, danos e riscos à população e ao meio ambiente de Barcarena.
Os problemas com a empresa não são novos. Em 2007, a principal bacia da Imerys rompeu, espalhando cerca de 450 mil metros cúbicos de rejeitos, que atingiram as fontes de água da população de Vila do Conde. Os contaminantes chegaram aos igarapés e rios da região, alcançando até a bacia do Marajó.
Barragens de alto risco
Segundo o relatório de segurança de barragens, desenvolvido pela ANA (Agência Nacional de Águas), de 2017, o Pará é o segundo Estado do País com maior número de barragens de minério com alto dano potencial: são 20, oito delas estão no município de Barcarena. Em entrevista para a “BBC Brasil”, o procurador da República Bruno Valente, que assina uma ação civil pública movida pela população da cidade em 2016, afirma: “O histórico de acidentes ambientais em Barcarena é impressionante, uma média de um por ano.”
Em fevereiro de 2018, por exemplo, uma das barragens de rejeitos da empresa Hydro Alunorte, que faz a mineração e beneficiamento de bauxita, acabou contaminando com “lama vermelha” rios e igarapés.
Alguns distritos ficaram sem acesso à água potável, devido ao alto nível de contaminação por chumbo e outros metais nas águas do município, segundo relatório do Instituto Evandro Chagas (IEC), o que comprometeu severamente o abastecimento local, a agricultura e a pesca.
Autoridades federais e estaduais como o Ministério Público Federal (MPF), Ibama e Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará determinaram de que a Alunorte reduzisse a produção em 50% e suspendesse as operações do Depósito de Resíduos Sólidos 2 (DRS2). Além disso, a refinaria foi multada em R$ 20 milhões pelo Ibama.
A Hydro Alunorte responde a processos no Brasil e na Holanda por conta da contaminação proveniente de sua barragem em 2018.
Territórios indígenas
Os problemas não se limitam à região de Barcarena. As cidades de Parauapebas e de Paragominas têm quatro barragens de alto risco cada uma também.
A Vale, por exemplo, teve de fechar dois acordos com o Ministério Público do Trabalho do Pará em agosto de 2019 por causa do alto risco de duas barragens – uma de rejeitos e outra de captação de água – no Complexo Igarapé Bahia, em Parauapebas. Elas possuíam alto risco um risco de rompimento próximo a 40%.
Em 2020, a Vale e os povos Xinkrin Kayapó chegaram a um acordo após mais de oito anos de disputa judicial. O MPF denunciou a empresa em 2012 por causa de irregularidades no licenciamento ambiental e graves danos ambientais, incluindo a contaminação do Rio Cateté por metais pesados.
A acusação passava por 14 empreendimentos que cercam os povoados indígenas, extraindo cobre, níquel e outros minérios entre as cidades de Ourilândia do Norte, Parauapebas e São Félix do Xingu, no sudeste do Pará.
Parte deste empreendimento, a Mineração Onça Puma, segundo a denúncia, foi implantada sem o cumprimento das condicionantes ambientais. Estudos feitos pelo órgão apontam que, em sete anos de atividade, a empresa contaminou com metais pesados o Rio Cateté e dificultou muito a vida dos cerca de 1,3 mil indígenas que habitam a região. Em 2016, as atividades na mineradora foram interrompidas por uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-1) e só foram retomadas após o acordo judicial estabelecido em 2020.
Pelos termos da decisão da Justiça, que é temporária, além da descontaminação e despoluição do Rio Cateté, a Vale deverá repassar um valor superior a R$ 26 milhões aos indígenas.
Fiscalização
“Temos dificuldades das mais diversas no setor de mineração do Estado. Os casos de contaminação da água em Ourilândia do Norte, perto do povoado Xinkrin, e em Barcarena são indícios de que não existe controle ambiental suficiente na atividade mineradora. Isso vale para o Pará e para o Brasil inteiro”, afirma o sociólogo Thomas Mitschen.
Segundo ele, hoje a Agência Nacional de Mineração deve ter uns 160 funcionários dedicados à fiscalização. “Como tão pouca gente vai cuidar de um setor deste tamanho, com implicações ambientais gigantescas, num país de extensões continentais?”, questiona o coordenador do Programa Trópico em Movimento, da UFPA.
O estudo do programa Trópico em Movimento ainda sinaliza o risco de as regiões estarem cada vez mais dependentes de uma única atividade econômica. Além de levantar o problema da constante oscilação internacional dos preços dos minerais, a atividade mineradora trabalha com recurso não renovável e logo que a fonte acabar, os investimentos também deixam de existir.
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