Como destravar a bioeconomia na Amazônia? Esta pergunta orienta uma série de estudos desenvolvidos pelo Instituto Escolhas nos últimos anos. Aprimoramento de marcos legais e investimentos em capacitação, infraestrutura, assistência técnica, ciência e tecnologia são algumas das “travas” ou “gargalos” identificados para que a bioeconomia alcance a devida posição de força econômica da região. A superação de todos esses desafios encontra, por sua vez, um gargalo em comum: o baixo aporte de recursos financeiros.
Estudo do Instituto Escolhas faz um levantamento dos recursos oferecidos pelas políticas públicas federais e estaduais que podem vir a ser utilizados para fomentar a bioeconomia na Amazônia, tomando como exemplo os estados do Pará e do Maranhão. Optou-se por analisar as políticas públicas mais relevantes, que movimentam regularmente elevado montante de recursos.
O estudo evidencia como tais fontes de recursos apoiam largamente a agropecuária, atividade diretamente associada ao desmatamento da Amazônia. Em 2020, 62% das emissões de CO2e do Maranhão e 85% das emissões do Pará foram causadas por mudanças no uso da terra, em sua maior parte decorrentes do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
Entre 1990 e 2021, 5 milhões e 15,9 milhões de hectares de vegetação nativa, respectivamente no Maranhão e no Pará, foram derrubadas para o uso agropecuário. Apesar disso, recursos foram liberados para os empreendimentos do setor sem regras claras de atendimento a condicionantes ambientais e sem a avaliação de seus resultados.
Infraestrutura
O setor de infraestrutura, em especial o de energia, como não poderia deixar de ser, também recebe grande parte dos recursos mapeados. Entretanto, é importante lembrar que a região amazônica ainda sofre com o baixo acesso à eletricidade, a dependência de combustíveis poluentes e a escassez de outras infraestruturas essenciais, como mobilidade e saneamento básico. Ou seja, o investimento público em infraestrutura não tem sido direcionado para melhorar a vida da população local.
Por outro lado, os megaprojetos financiados com recursos públicos produzem impactos socioambientais desastrosos, não equacionados pelo planejamento público e suas avaliações de riscos. O que aconteceria se todo esse investimento fosse destinado à infraestrutura necessária para o desenvolvimento da bioeconomia, que pede uma logística descentralizada e ancorada em cadeias produtivas mais sustentáveis, inovadoras e inclusivas?
Fundo
Os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO) e do Nordeste (FNE) contam com uma fonte considerável, segura e estável de recursos com previsão constitucional: 3% da receita do Imposto de Renda e de produtos industrializados. Desses recursos, 60% são destinados ao FNE, 20% ao FNO e 20% ao Fundo do Centro-Oeste (FCO). Em 2020, essas transferências da União chegaram a quase R$ 13 bilhões.
O Pará é usualmente o estado mais beneficiado com os recursos do FNO. Dentre os setores que se destacam, estão a agropecuária, infraestrutura e comércio e serviços.
Do total de R$ 10,5 bilhões, R$ 4,8 bilhões foram para a agropecuária (FNO Pronaf e Amazônia Sustentável), seguida pelos setores de infraestrutura (R$ 3,5 bilhões) e comércio e serviços (R$ 1,8 bilhão). No Pará, a agropecuária acessou R$ 1,7 bilhão, representando 41% do total dos recursos do FNO de contratos no Estado. O FNO ABC Pronaf, destinado a apoiar a agricultura de baixo carbono, só contratou R$ 15 milhões em 2020. Nenhuma das contratações do programa foi realizada no Pará.
As prioridades definidas em 2020 para a utilização dos recursos do FNO foram os municípios de rendas baixa ou média, que receberam R$ 7,9 bilhões do total de R$ 10,5 bilhões contratados, bem como os municípios na faixa de fronteira da região Norte, para onde foram destinados R$ 2,7 bilhões do total. Amapá e Roraima também foram considerados prioridades, mas receberam apenas 7,9% do total.
O Pará foi contemplado com R$ 4,1 bilhões, 39% do total, percentual condizente com seu peso no PIB da região Norte, que chegou a 41,6% em 2018. O FNO possui R$ 33,8 bilhões em ativos, segundo o balanço relativo a 2020.
Com relação ao Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), de acordo com relatório do Banco da Amazônia S.A. (BASA), ele terminou 2020 com R$ 4,7 bilhões em ativos. As atividades apoiadas são, predominantemente, no setor de energia. Em 2020 e 2021, foram R$ 1,5 bilhão para transmissão, R$ 1 bilhão para hidrelétricas e R$ 548,8 milhões para termelétricas. O relatório de gestão dos recursos do FDA apresentado pelo Banco do Brasil, por sua vez, só registra um saldo de operações de R$ 627 milhões com a Equatorial Energia S.A, dos quais R$ 364,5 milhões foram liberados em 2020. São, na verdade, duas sociedades de propósitos específicos, cada qual relativa a uma linha de transmissão de energia, ambas no Pará.
BNDES
O setor que mais recebeu recurso do BNDES foi o da infraestrutura, mais especificamente energia elétrica, subsetor que recebeu, respectivamente, 34% e 67% no Maranhão e no Pará.
No Pará, foram 1.590 operações em 2020. Três operações envolveram valores expressivos. A primeira, de R$ 583 milhões, destinou-se à transmissão de energia elétrica. As outras duas, dirigidas à distribuição de energia elétrica, representam um valor de R$ 220 milhões cada, em atividades localizadas em Belém.
Conforme o estudo 25,6% do total dos recursos oferecidos pelo BNDES em 2020 foram destinados à agropecuária. no Pará, 16% (R$ 239,9 milhões) dos recursos recebidos do BNDES foram para o setor agropecuário. Desse valor, 52% (R$ 124,5 milhões) foram concedidos no âmbito do programa Moderfrota e somente 16% (R$ 38,4 milhões) no âmbito do programa ABC.
Conclusão
Os números mostram um vultoso volume de recursos sendo destinados a atividades comprovadamente relacionadas à degradação ambiental, como a agropecuária, especialmente na Amazônia. As informações oferecidas pelos fundos e bancos públicos não permitem saber em que medida os critérios ambientais são levados em conta na hora de liberar um financiamento.
Não há transparência quanto à avaliação dos riscos de impactos socioambientais associados às contratações. Em relação às escolhas dos governos sobre os gastos orçamentários e tributários, há ainda menos transparência. Assim, continuamos financiando o desmatamento e a degradação ambiental com recursos públicos.
É preciso mudar a direção dos investimentos não só para impulsionar, efetivamente, o desenvolvimento da economia da floresta em pé com geração de renda local, como também para estancar o financiamento do desmatamento. Até porque é injusto acreditar que a bioeconomia vai se levantar por si só, sem receber os pesados investimentos que os demais setores da economia brasileira receberam ao longo dos anos. A história econômica do Brasil mostra que, do agronegócio até a indústria automobilística, todos precisaram de investimentos públicos para acontecer.
Fonte: Instituto Escolhas