Nesta semana de 10 anos de história do Novo Código Florestal, o Pará Terra Boa vai trazer análises de implementação dessa importante legislação ambiental. O pesquisador Raimundo Magno Nascimento, de quilombo de Moju (PA), fez uma avaliação realista do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em territórios quilombolas do Pará, no evento “Código Florestal +10” realizado pelo Observatório do Código Florestal, nesta segunda-feira, 23/05.
Como você pode ler por aqui, o registro do CAR é um dos primeiros passos para a implementação do Código Florestal. O Pará até realiza muitos registros em comparação a outros Estados no Brasil, mas, os demais, praticamente não os validam. Segundo os dados do Serviço Florestal Brasileiro, até o dia 11 de abril de 2022, apenas 18,5% de CAR de um total de 6,5 milhões de imóveis rurais registrados no sistema no Brasil passaram por alguma análise e 0,4% foram concluídas. Ou seja, registra aqui, registra ali, mas validar que é bom, nada.
E sabem onde está um gargalo que tira o sono de quilombolas? Na sobreposição dos registros, ou seja, quando mais de uma pessoa registra, ilegalmente, o mesmo território no sistema do Governo Federal. Muitas vezes, a terra que os ladrões de terra registram faz parte de uma Unidade de Conservação, um Território Indígena, uma terra da União… É o que mais se vê hoje no Brasil. É como se o CAR já nascesse duplicado ou triplicado. Quando o governo estadual detecta o problema, ou se suspende o CAR ou o cancela. No momento da suspensão, o produtor fica impedido de comercializar seus produtos da lavoura.
“Não me lembro de ver cadastro que não tenha sobreposição de terceiros”, afirmou Raimundo, que é consultor de projetos da Coordenação Estadual Quilombola do Pará – Malungu.
O módulo CAR coletivo é uma forma de registrar, não titular, terras quilombolas no Pará. Estima-se que o CAR de Cachoeira Porteira, em Oriximiná, com 225 mil hectares, seja o maior CAR coletivo do Brasil. Só que também tem arestas. O antropólogo lembra que há casos de CAR duplicado com quilombos em que um dos responsáveis pelo registro, por exemplo, obteve financiamento bancário, enquanto os produtores do quilombo, não.
“A gente percebe que, para as comunidades, o número de cadastros efetivados é mínimo. O Pará conta, segundo o IBGE, de 2019 para 2020, com 528 comunidades censitárias com presença de quilombolas. O número de CAR elaborado é mínimo. Em 2017, quando o período estipulado estava chegando ao final (há uma data limite, que muda de tempos em tempos, segundo queixas de ruralistas, de registro das propriedades), houve uma correria no Estado para fazer as inscrições, para não ficarem fora dos financiamentos. Por conta da correria e falta de informação adequada, de que cadastro de comunidades quilombolas precisam ser de maneira coletiva, criou-se uma serie de transtornos”, lembra o quilombola do Pará.
Então, dizer que um Estado tem tantas mil propriedades registradas no CAR não é sinônimo de que se faz o dever de casa. É preciso ver quantos registros o governo estadual foi capaz de analisar, quantos foram cancelados e suspensos por causa desse fantasmas na vida do paraense, e de todo brasileiro que vive no campo, que é a sobreposição de CAR.
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