Por Fabrício Queiroz
A exploração intensiva da Amazônia promovida pela abertura das áreas de floresta com desmatamento, a degradação e as queimadas criaram, , nas últimas décadas, um cenário em que a sobrevivência do bioma, as suas características e serviços ambientais prestados ao planeta estão cada vez mais ameaçados. Chamado de ponto de não-retorno, esse futuro crítico exige que uma série de medidas sejam adotadas para evita-lo e uma delas envolve o fortalecimento das cadeias produtivas da sociobioeconomia.
Essa foi a ideia central discutida durante a mesa-redonda “Caminhos para afastar a Amazônia do ponto de não-retorno com uma nova sociobioeconomia de saudáveis florestas em pé e rios fluindo”, promovida pelo Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês) durante a 76ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em Belém.
Cientista sênior no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Nobre abordou a urgência do tema diante das evidências de que a transformação do bioma está em curso. De acordo com o pesquisador, o desmatamento e o aquecimento global têm contribuído para a queda da umidade do ar na região que envolve o norte do Cerrado e o sul e sudeste da Amazônia, onde predomina a pecuária extensiva; e para o aumento da mortalidade de árvores em áreas ao norte dos estados do Pará e do Amazonas e sul do Amapá, bem como da Guiana, da Guiana Francesa, da Bolívia e do Peru.
“O mais preocupante é que nos últimos 40 anos, em todo o sul da Amazônia a estação seca está de quatro a cinco semanas mais longa. Isso é uma semana a mais por década. Historicamente, a estação seca dura de três a quatro meses, só que sempre com chuva. O mínimo de chuva em toda essa região era de 40 mm. Agora está ficando mais longa e mais seca. Chega a cinco semanas a mais nas áreas mais desmatadas. Se a estação chega a seis meses, não tem condição nenhuma de manter a floresta”, alerta Carlos Nobre, que é co-presidente do SPA.
Para ele, é preciso agir agora para reduzir o risco de um ponto de não-retorno, envolvendo estratégias de aumento da governança na região, eliminação do desmatamento, da degradação florestal e das queimadas, planos para conservação e restauração de florestas e investimentos em sociobioeconomia.
Nesse modelo, Nobre prevê uma composição da Amazônia com cerca de 70% de áreas preservadas, até 20% de sistemas agroflorestais e, no máximo, 10% de áreas com agricultura, mineração e pecuária sustentáveis.
“(A sociobioeconomia) tem um gigantesco potencial de manter a floresta: mantém os serviços ecossistêmicos, combate a emergência climática e protege as populações muito melhor e também contribui para a economia do País”., ressaltou.
Valorização da sociobioeconomia
O caminho parece claro, mas a pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental Joice Ferreira diz que há o desafio de estabelecer políticas e programas que favoreçam a sociobioeconomia, visto que este conceito ainda está em disputa e é utilizado inclusive para promover empreendimentos com plantio de soja, ao mesmo tempo que abarca o extrativismo tradicional, o que é prejudicial para as comunidades locais da Amazônia.
“É a economia da floresta e sua sociobiodiversidade com foco na equidade e geração de valor a partir da diversidade biocultural da região, dos povos indígenas e comunidades locais”, definiu a cientista, ressaltando que o termo contempla atividades que levam à conservação e restauração dos ecossistemas, promovem práticas agroecológicas diversas, protegem os direitos humanos e territoriais, agregam valor aos produtos amazônicos, geram benefícios de longo prazo, entre outros benefícios.
Na mesma linha, o doutor em Economia e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Francisco de Assis Costa destacou que essa chamada nova sociobioeconomia já existe nas práticas tradicionais das populações da região, mas que precisa ser melhor entendida e empoderada como estratégia de desenvolvimento.
Nesse sentido, o pesquisador pontuou a necessidade de valorização dos produtos amazônicos pelas suas peculiaridades e adotando a lógica de mercado de terroir, no lugar da perspectiva de generalização que se faz quando se explora, por exemplo, somente os princípios biológicos ou químicos de um de uma determinada espécie, como o açaí ou o guaraná.
“É o apelo do que superalimento produz. O superalimento vai para o mercado mundial como molécula. Não tem cheiro, não tem cor, não tem gosto e, nesse sentido, não traz oportunidade de agregação de valor pela distinção. Para pensar nisso, basta pensar toda a economia do vinho que está baseada na lógica da ‘especiação’”, esclareceu o professor.