No próximo dia 24 de junho, sexta-feira, uma audiência em Roterdã, na Holanda, vai avaliar se será aceita jurisdição para o processo movido por quilombolas e povos indígenas do município paraense de Barcarena contra a gigante norueguesa do alumínio Norsk Hydro. O processo busca reparação para milhares de pessoas da Amazônia que tiveram sua saúde e sustento destruídos pela poluição.
Representados pelo escritório PGMBM, especialista em litígios ambientais coletivos de escala internacional, em parceria com o escritório brasileiro Ismael Morais Advocacia, e o holandês Lemstra van der Korst, nove indivíduos, ao lado da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), que representa 11 mil membros, levam seu processo para Roterdã na expectativa de que um julgamento nos tribunais holandeses possa lhes trazer as reparações que até agora não conseguiram no Brasil.
O processo procura estabelecer a responsabilidade por pelo menos 10 desastres ambientais causados pelas atividades de mineração e de produção de alumínio pertencentes à Norsk Hydro. O mais recente, em fevereiro de 2018, resultou no derramamento de uma grande quantidade de lama tóxica dos reservatórios das operações da Alunorte e Albrás, que continham resíduos e tornaram os rios vermelhos. Esse desastre foi investigado pelas autoridades brasileiras que descobriram três tubulações clandestinas que liberavam diretamente resíduos tóxicos na natureza.
“Nosso pedido é que a Norsk Hydro e suas afiliadas sejam responsabilizadas pela devastação ambiental e pelos danos à saúde das pessoas que as empresas causaram e continuam a causar na região de Barcarena”, afirma Pedro Martins, sócio e fundador do PGMBM, que complementa: “Até agora, os atingidos não tiveram voz nos processos correntes no Brasil. Queremos mudar isso para garantir que sejam protegidos e recebam a justiça que merecem. É claro que a Norsk Hydro realizou atividades poluentes de risco numa região realmente vulnerável do Brasil, de uma forma que violou a lei e causou efeitos desastrosos para a natureza e para as pessoas que lá vivem”.
Os efeitos dos incidentes poluentes fizeram com que muitos dos povos indígenas e quilombolas tivessem problemas de saúde, além de lhes serem retirados rendimentos financeiros e o acesso a alimentos e água limpa.
As comunidades afetadas não podem mais contar com os rios e poços para obter alimentos por meio da pesca, do cultivo de hortaliças e a criação de animais, que dependiam da água limpa. Muitas pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Além disso, muitos dos afetados relatam perda de cabelo, perda parcial ou total da visão, dor e fraqueza no corpo, bem como ansiedade e ataques de pânico.
Histórias trágicas
Uma vítima, um homem casado de 29 anos, relata que desde 2006 tem sofrido de dores de estômago, dores de cabeça, dores nos ossos, queda de cabelo e perda de memória. Também sofre de descoloração da pele e coceira permanentes. Ele e a sua esposa também tiveram um bebê que nasceu com os intestinos fora do seu corpo – algo que um médico disse ser devido ao feto ter entrado em contato com poluentes. Logo foram obrigados a abandonar a sua casa porque o rio e a terra eram a sua principal fonte de rendimento e comida.
Maria do Socorro da Silva, que é a presidente da associação Cainquiama e luta por uma solução, relata:
“Tenho 57 anos de idade e sou filha de Barcarena. Aqui as pessoas morriam aos 100 anos de idade. Mas a partir de 2008, houve uma grande aceleração nas mortes. A futura geração nasce e morre”, conta ela.
“Por que tanta dor de estômago, perda de dentes, perda de cabelo, tumores que surgem do nada? Há algo de errado. Espero que a empresa seja condenada a pagar por todos os danos que cometeu. Que ela reconheça. O juiz sabe que eles não podem fazer esse crime”, enfatiza.
As empresas rés no processo da Holanda são:
-Norsk Hydro ASA – Controladora, com sede em Oslo, Noruega
-Norsk Hydro Holland BV
-Hydro Aluminium Netherlands BV
-Hydro Aluminium Brasil Investment BV
-Hydro Alunorte BV
-Hydro Albras BV
-Hydro Paragominas BV
-Norwegian Government’s Pension Fund – The Folketrygdfondet: Empresa estatal norueguesa que controla o Government Pension Fund Norway – acionista da Norsk Hydro ASA.
Conforme informou a revista Veja em 24 de junho de 2022, a juíza Pauline Hofmeijer-Rutten, que preside a corte, que vai emitir a decisão sobre aceitar ou não o caso na Holanda deve ser tomada até o dia 19 de outubro. Se o caso for aceito, as empresas processadas terão até 22 de fevereiro para apresentar sua defesa nos autos.
Em nota, a Hydro afirmou que o “caso contra os acionistas indiretos é apenas mais uma repetição dos processos que têm por objeto os mesmos fatos e alegações contra as empresas brasileiras”, e que há risco de “duplicação de trabalho e decisões incompatíveis”. A mineradora reafirmou que, na sua opinião, o caso deveria ser tratado nos tribunais brasileiros e que pediu à corte holandesa que o caso seja suspenso. A empresa também informou que “mais de 90 fiscalizações/auditorias foram realizadas por órgãos públicos que atestaram e confirmaram que não houve transbordamento dos depósitos resíduos da Alunorte” e que “alegações adicionais permanecem infundadas e não há evidências de contaminação nas comunidades causada pela Alunorte relacionada às chuvas de fevereiro de 2018”.
Sobre o PGMBM
PGMBM é uma parceria única entre advogados britânicos, brasileiros e americanos motivados a defender vítimas de grandes corporações. Com escritórios na Inglaterra, Escócia, Estados Unidos, Holanda e Brasil, o escritório é especializado em casos de poluição e desastres ambientais originados no Brasil e em outras partes do mundo. O PGMBM também está na vanguarda de reivindicações de consumidores no Reino Unidos, que incluem processos contra Volkswagen, Mercedes, British Airways, EasyJet, Bayer AG, Johnson & Johnson e outras grandes empresas multinacionais.
Atualização em 27 de junho de 2022
LEIA TAMBÉM:
Rios amazônicos ainda sofrem com rejeitos tóxicos de indústrias estrangeiras em Barcarena