Por Fabrício Queiroz
A BR-230, mais conhecida como Transamazônica, foi vendida como o principal símbolo da política de integração nacional pelo governo militar, na década de 1970, período em que milhares de famílias foram incentivadas a migrar para a região. Na época, a mentalidade era de que o desenvolvimento viria ao se avançar floresta adentro, numa verdadeira batalha entre civilização e natureza. Hoje, a Transamazônica é reconhecida como o principal polo produtor de cacau e de chocolate do Pará, graças ao trabalho de inúmeras famílias estabelecidas por lá, que, ao contrário da crença de 50 anos atrás, sabem o valor da floresta.
Uma delas é chefiada pela agricultora Jiovana Lunelli Hoss, catarinense que migrou com a família para o estado quando tinha apenas 2 anos. Com pouco conhecimento da língua portuguesa e da realidade local, a família de descendência alemã viu no contato e nas trocas com a população nativa um aprendizado decisivo para lidar, conviver e produzir em harmonia com a natureza.
“Foi em 75 que meu pai implantou a primeira roça. Daí surgiu o entendimento das árvores, da importância da floresta em pé. Foi aí que soubemos que ela (floresta) servia de alimento, servia de abrigo não só para a minha família, mas para tantas outras e toda a diversidade que há dentro da Amazônia”, conta Jiovana.
No sítio Paraíso Orgânico, localizado no município de Brasil Novo, a agricultora mantém uma pequena lavoura de cacau cultivada em sistema agroflorestal (SAF) para prezar pelo “ambiente equilibrado e saudável” que ela destaca como o diferencial que garante a qualidade dos frutos e dos chocolates da marca Cacau Xingu.
Os produtos são fabricados no processo denominado tree-to-bar (da árvore à barra) com controle de todas as etapas: desde o plantio, colheita, fermentação até a venda ao consumidor final. As práticas adotadas no campo privilegiam os tratos orgânicos, sem adição de agrotóxicos ou outros químicos para controle biológico, valorizando a biodiversidade da fauna e da flora locais e as relações ecológicas que ocorrem na mata.
Um exemplo disso se verifica nas próprias embalagens dos chocolates que são ilustradas com imagens de animais que vivem e se beneficiam do ambiente conservado nas agroflorestas, como a anta, o beija-flor e o macaco-prego. Além disso, a marca faz o aproveitamento integral do fruto e já conta com uma série de subprodutos, como geleia, licor, creme de castanha, nibs caramelizado, entre outros.
“O meu chocolate é diferente porque nele tem florestas, rios, o solo e o modo de produção. Esse consórcio com essas árvores e com essa diversidade da floresta amazônica contribui para um terroir único dos nossos chocolates tanto é que as amêndoas do Pará são premiadas como as melhores do mundo”, ressalta a produtora.
Para Jiovana Hoss, os SAFs são a saída para que a cacauicultura se desenvolva com produtividade, benefícios socioeconômicos e respeito ao meio ambiente. Isso porque, mesmo em momentos críticos como a atual seca, a produção das agroflorestas se mostra mais resistente que as monoculturas. Aliado a isso, ela acredita que o incentivo à verticalização irá potencializar a geração de renda e o fortalecimento das comunidades da agricultura familiar.
“É dever nosso defender a agrofloresta, a floresta viva. A floresta em pé é um discurso, mas a floresta viva tem que ser a nossa realidade”, defende Jiovana Hoss.