A produtora rural Sandra Gonçalves, de 54 anos, deu ordem e ninguém desobedece dentro de sua propriedade, em Murujucá, localidade tocantina, no nordeste do Pará.
“Coloquei a ordem: aqui ninguém derruba nenhuma árvore”, diz ela ao Pará Terra Boa.
Isso porque ela tira o sustento da família de seu quintal cheio de palmeiras nativas. Assim, conseguiu criar, então solteira, três dos quatro filhos. Com essa mentalidade de preservação da terra, hoje ela é presidente do Sindicato dos Produtores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Limoeiro de Ajuru, hoje com mil associados.
O forte da família são os vários tipos de óleos usados tanto no mercado de cosméticos quanto na culinária: de andiroba, miriti, jupati, coco, açaí e o patauá, que fez dela cliente da gigante Natura. Quando não está ocupada com o sindicato, toca a produção de sabonetes, sob o nome de Flora Amazônia, e dos óleos.
Uma embalagem de 100 ml de óleo de açaí, por exemplo, fica entre R$ 10 e R$ 15. A produção é modesta porque extrair o líquido das palmeiras não rende. De uma rasa local de andiroba, de 14,5 quilos de semente, ela tira 2 litros de óleo. Já a de patauá, até 1 litro. De açaí, 500 ml, como muito.
Sandra é a típica herdeira dos saberes tradicionais da floresta passados de pai para filho. Sabe na ponta da língua qual é o melhor óleo para curar dores na articulação, hidratar a pele, cabelos e para cozinhar camarão ou peixe frito.
Ela conta onde aplica os óleos das palmeiras: a andiroba serve para fazer cosmético e remédio. O de miriti é bom na comida, é remédio para dor de articulação e cosmético para pele e cabelo. Como protetor solar então, o miriti “é uma maravilha”. O de jupati substitui o dendê na fritura de camarão, por exemplo, e é ótimo hidratante para a pele. O patauá hidrata cabelos e atua na pele contra o envelhecimento.
Do açaí não sobra nada. “Faço chá com a raiz, uso as folhas, o palmito, o caroço para adubar e ainda sobra para fazer vinho para alimentação com o açaí”, conta. Reclama, no entanto, da falta de investimento público na cadeia que permita o aumento dos rendimentos para os agricultores familiares. Por isso, usa as riquezas do quintal como pode. Troca leite por açaí na comunidade. “Não tem quem consiga viver só do açaí. Aqui começamos a dar açaí para os filhos com 4 meses porque o leite é muito caro. De dezembro até julho e agosto, quando começa a época do açaí, é difícil sobreviver. Como aqui é uma região alagada, não tem como ter roça”, conta.
Mas ela é firme na proposta de preservar suas palmeiras sem ceder à pressão dos produtores que derrubam a floresta em troca de alguns trocados momentâneos. Pensa no futuro, assim como fizeram seu avô e pai, com a certeza de que hoje está no caminho certo quando olha com orgulho para os três filhos na faculdade de Direito, Agronomia e Enfermagem, enquanto o quarto, Guilherme Gonçalves, de 31 anos, cuida da propriedade.
“A gente é capaz de viver da propriedade sem desmatar. Temos nossa riqueza dentro de casa. Muita gente corta a palmeira do jupati porque dizem que deixa a propriedade feia. Onde já se viu isso?”, questiona.
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Extração da polpa de miriti
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