A cacauilcultura tem transformado a vida do agricultor no Pará, o maior produtor de cacau do País. São vários os exemplos de iniciativas de sucesso hoje no Estado, seja em torno de cooperativas ou individuais.
O caso da marca Chocolates De Mendes é exemplar por impactar o modo de vida de cerca de 5 mil colaboradores do negócio do produtor César De Mendes. Só de extrativistas yanomamis são 1.250. Seu trabalho é de busca por lugares longínquos do “melhor cacau do mundo”.
Segundo nos contou, sua preocupação sempre foi de valorizar o conhecimento dos ribeirinhos, caboclos, quilombolas e agricultores familiares sobre o cultivo do cacau. Mas não só.
“Para mim, trabalhar com esses povos tradicionais causou uma transformação pessoal muito grande em mim, até de cunho espiritual. É impressionante como eles são gentis, generosos e hospitaleiros. Aquilo mexeu muito comigo, enchendo meu peito e minha alma”, disse o chocolatier, da sede de sua fábrica, em Santa Bárbara do Pará.
Se o mercado local paga R$ 13 reais pelo quilo do cacau ao extrativista, César paga o dobro, conta. “Eu pago o dobro porque as comunidades tradicionais vivem da floresta. Não derrubam o que lhes dá sustento. Eles são de uma inteligência incrível. A troca de aprendizado com eles não tem preço”, afirmou.
Ele se orgulha do fato de a matéria-prima do seu produto estar plantada numa área total de 800 mil hectares. É assim que ele mede seu sucesso.
“Aonde tem comunidade tradicional, a floresta é muito mais bem conservada, não tem instituição que consiga fazer o mesmo. Eu ajudo a manter a floresta de pé”.
Sua fábrica fundada em 2014 tem produção tímida, de 1 tonelada de chocolate por mês, mas pretende chegar a 5 toneladas no ano que vem, assim que a pandemia do novo coronavírus der trégua. “É muita área, mas é pouco cacau. A fábrica tem mais impacto social e ambiental que econômico. Hoje só atendemos de forma online, mas já cheguei a ter loja física”, conta.
César lembra que seu empreendimento enfrentou várias dificuldades pela exigência que ele impôs a si mesmo de buscar o tal do “melhor cacau do mundo”. A tarefa implicou em muitas viagens, subindo e descendo rios, contatos com comunidades afastadas das margens em expedições que lhe renderam o apelido de “Indiana Jones do chocolate”.
“As pessoas achavam que eu não batia bem da cabeça. Eu entrava num barco, pegava carona e saía pelo mundo das águas, ia para as ilhas, ficando na casa de ribeirinhos, índios e caboclos, perguntando onde tinha cacau nativo, até encontrar”, disse.
Obstáculos
O produtor, que é mestre em Química de Produtos Naturais e Tecnologia de Alimentos, destaca que não é fácil convencer o produtor rural local sobre a importância de diversificar a produção agrícola para não depender somente da monocultura de cacau.
Outro ponto classificado por ele como problema é o fato de “grandes fabricantes de chocolate”, muitas vezes estrangeiros, pressionarem os produtores rurais para derrubar a floresta. O convencimento inclui, muitas vezes, diz, adiantamento de salário ao agricultor, por exemplo, em troca da expansão de suas pequenas lavouras, o que implica na derrubada da floresta.
“Existe uma pressão muito grande para que expandam as produções. Num mês, derrubam 1 hectare, no outro, 2 hectares porque precisam comprar um barquinho maior. Depois chega uma marca europeia de chocolate perguntando se eles não gostariam de comprar um carrinho, colocando mais pressão, oferecendo adiantamentos, como se fossem bancos, e aí desanda”, relata.
César hoje conduz seu negócio com mais tranquilidade porque se associou a um parceiro comercial no início do ano. “Daí eu me dedico à busca desse cacau, pela floresta, e meu sócio, que também tem toda a preocupação social e ambiental, toca os negócios”, disse.