Uma das principais riquezas naturais do Pará, o açaí não possuiu a chamada Identificação Geográfica (IG) concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), como a farinha de Bragança, o cacau de Tomé-Açu, o queijo do Marajó e o guaraná da Terra Indígena Andirá Marau que pertence ao Amazonas e ao Pará.
A IG identifica a origem de um produto ou serviço que tem certas qualidades graças à sua origem geográfica ou que tem origem em um local conhecido por aquele produto ou serviço.
A proteção concedida por uma IG, além de preservar as tradições locais, pode diferenciar produtos e serviços, melhorar o acesso ao mercado e promover o desenvolvimento regional, gerando efeitos para produtores, prestadores de serviço e consumidores.
Já que estamos em temporada de Olimpíadas, é como se o fruto nativo do Pará não conseguisse sua principal medalha olímpica.
Nessa maratona que já dura décadas, o açaí já demonstrou ser portador de vários atributos nutricionais, como de combate a doenças cardiovasculares e crônico-degenerativas; econômicos, movimentando desde extrativistas e atravessadores a indústrias que exportam o produto para fora do Brasil; sociais, mantendo o sustento de populações tradicionais; e ambientais pelo fato de ser cultivado em sistemas agroflorestais com bom desempenho produtivo.
Essa busca pelo pódio tem um representante já conhecido do paraense. É o engenheiro de alimentos Hervé Rogez, professor da Universidade Federal do Pará. Conhecido como o “papa do açaí”, o cientista afirma que levará essa bandeira ao Fórum Mundial de Bioeconomia, a ser realizado em outubro, em Belém.
Hervé estuda o fruto há 30 anos. É autor de livros importantes sobre o tema, como “Açaí: Preparo, Composição e Melhoramento da Conservação”, que, inclusive serviu e serve de justificativa para muitos produtores da cadeia do açaí explorarem seus negócios com a chancela científica.
“Vou fazer barulho no Fórum”, adianta o professor ao Pará Terra Boa.
“No laboratório, trabalhamos com bioeconomia. É muito importante manter o sistema de manejo sustentável a longo prazo do açaí, mas para isso temos que ter indicadores de qualidade. Uma IG do açaí de várzea seria de bom tom? Muito”, responde.
Hervé afirma que o açaí plantado em terra firme, em regime de monocultura, sem obedecer às boas práticas de fabricação pode levar ao aumento do preço do fruto no Pará, prejudicando a maior parte da população que não passa um dia sem consumir o açaí.
Como ocorre com todo produto natural que vira tesouro de mercado, o açaí também enfrenta atravessadores despreocupados com a qualidade do produto. Há registros de açaí à venda no Rio de Janeiro ou em São Paulo que são consumidos sem o valor nutricional do fruto porque não obedeceram a critérios mínimos de higiene lá na origem.
“Você tem amostras no Rio e em São Paulo do fruto sem antioxidante qualquer. O açaí chega marrom, sem qualidade, já estragado enquanto foi processado. Isso acontece até hoje”, afirma o cientista. Com a Identificação Geográfica, viria a reboque toda a cartilha das boas práticas de fabricação de forma a manter suas características nutricionais.
A década passada foi testemunha de um capítulo triste do açaí. Estudos mostraram que a atração dos barbeiros pelos frutos do açaizeiro era factível, pois durante o período pós-colheita, os frutos fermentam espontaneamente com liberação de calor, compostos orgânicos, umidade, gás carbônico e reflexão da luz solar (raios UV), os quais exercem efeito sobre barbeiros, simbioticamente, lembra o professor.
É sempre bom lembrar que uma porção de 200 ml de açaí tem 10 vezes mais antioxidantes do que uma taça de vinho. É o famoso 3 em 1 da dieta mediterrânea, por exemplo: além dos antioxidantes, tem fibras e óleo dos bons em sua composição. “Mas sem o álcool”, acrescenta o professor.
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