Isso porque, na Amazônia, animais exóticos fazem parte do cardápio dos povos indígenas e comunidades tradicionais como heranças culturais. Aqui no Pará, por exemplo, em uma comunidade ribeirinha localizada no município de Abaetetuba, o consumo da carne de mucura é algo comum, nos lembrou o “Portal Amazônia” na quarta-feira, 24/11.
A mucura, também conhecida em parte do país como gambá, é lembrada pelo líquido mal cheiroso produzido por suas glândulas axilares usado como arma de defesa. Se alimenta de roedores, aves de pequeno porte, rãs, lagartos, insetos e frutos. Em diversas comunidades amazônicas, a caça deste animal é feita para fins de alimentação e uso medicinal.
Além do uso na culinária, a mucura tem papel de controle de pragas e manutenção da biodiversidade.
“Um dos papéis deles é contribuir com o equilíbrio ecológico, pois eles são controladores de animais considerados pragas para a população humana, como escorpiões, insetos e alguns tipos de serpentes. Por isso, é fundamental preservar os gambás e o seu papel na biodiversidade”, diz a professora Ana Silvia Ribeiro, médica veterinária coordenadora do Ambulatório de Animais Selvagens da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
De acordo com o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Flávio Bezerra Barros, a mucura é um alimento apreciado em diversas localidades e, apesar do aspecto “feio” do animal, “possui um sabor delicioso, parecido com o de uma galinha”. Normalmente, a carne é guisada com bastante tempero e molho.
Preparo delicado
Nos últimos anos, Flávio apresentou dois artigos sobre a utilização da mucura como alimento nas comunidades do Pará. Durante as entrevistas, ele descobriu a maneira que os ribeirinhos preparam o animal: o primeiro passo, após o abate, é ferver o animal em água quente para limpar os pelos.
Em seguida, é realizada a remoção das vísceras do animal. O momento de cuidado fica para a retirada das glândulas que produzem a “catinga”, encontradas nas axilas da mucura. Ao Portal Amazônia, o pesquisador afirmou que não é qualquer pessoa que consegue “tratar” uma mucura.
“Ela possui uma glândula que é responsável pelo seu odor característico, por esse motivo, não é fácil preparar a carne da mucura para o consumo. Quem trata a carne deve conhecer todas as técnicas para retirar o pitiú”, explicou.
O limão é usado para retirar o ‘pitiú’ do sangue e a carne pode ser temperada a gosto. Até mesmo a gordura da mucura é utilizada para a produção de medicamentos.
Por se tratar de uma carne de caça, a mucura não pode ser comercializada em feiras, sendo usada apenas para o consumo próprio. Porém, é comum encontrar nos comércios das pequenas cidades, como destaca o professor:
“Uma vez eu encontrei uma mucura grande que custava R$ 40. Geralmente os ribeirinhos chegam das comunidades rurais para comercializar o animal, alguns, inclusive, chegam a criá-los em cativeiro para engordá-los”, processo conhecido como ceva.
Enquanto para alguns o consumo da carne de mucura pareça repulsivo, para outras pessoas significa a sobrevivência.
“Na China, eles consomem bichos inimagináveis pra gente, o que pode chocar muitas pessoas, entretanto, é algo cultural. Na Amazônia é a mesma coisa, as pessoas não consomem apenas a mucura, mas comem também cobra, jabuti, macaco, formiga e outros animais. São heranças culturais”, reforça o pesquisador.