Em Barcarena, município paraense localizado na região metropolitana de Belém, 88,6% dos moradores não têm coleta de esgoto e 63,7% da população sobrevive sem acesso à água potável. Os números fazem parte do levantamento feito pelo Painel Saneamento Brasil, iniciativa do Instituto Trata Brasil e que reúne dados de todo o País. Nas ilhas e comunidades que pertencem a Barcarena, a abundância de água nos rios chega a contrastar com a falta de acesso à água de qualidade.
Uma dessas ilhas é a Ilha das Onças. Distante 40 minutos de Belém, a Ilha tem uma população que sobrevive basicamente de extrativismo do açaí, pesca e de recursos governamentais. Lá, mais especificamente na comunidade do Furo Grande, para algumas famílias o acesso à água potável veio a partir de um compromisso científico. Coordenado pela professora Vania Neu, desde 2012 a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) desenvolve o projeto “Segurança Hídrica e Saneamento na região insular de Belém” e garante água potável e saneamento para 15 famílias da ilha.
O acesso ocorre a partir de duas tecnologias sociais desenvolvidas pela universidade: o Sistema de Captação de água da chuva e o banheiro ecológico ribeirinho (BER). Tecnologias sociais são alternativas eficientes e de baixo custo, desenvolvidas na interação entre a comunidade, reaplicáveis e que promovem soluções efetivas aos problemas enfrentados pela população, aliando o saber popular ao conhecimento científico.
“As cisternas captam água da chuva a partir de um sistema que funciona sem a necessidade do uso de bombas d’água e de energia, já que a ilha não dispõe de energia elétrica, então a água chega nas residências por meio da gravidade”, diz a pesquisadora.
Após o descarte dos primeiros milímetros de chuva e a partir da instalação do filtro, os moradores conseguem ter acesso à água potável, que chega nas torneiras das residências.
Banheiro seco
A equipe do projeto também verificou que parte da população da Ilha ainda utilizava fossas rudimentares, valas e o próprio rio como destino para o esgoto, o que gerava contaminação ao meio ambiente e uma série de doenças intestinais e dermatológicas aos moradores. Assim surgiu o Banheiro seco ribeirinho.
“Ele foi criado especialmente para áreas sujeitas a inundações, seja por influência da maré ou pela variação sazonal do rio. O banheiro consiste na instalação de um reservatório simples, onde os dejetos são depositados. Após cada uso do banheiro, é necessário adicionar serragem e cal virgem. Dessa forma, os dejetos, que antes iam para o rio, ficam armazenados no reservatório e transformam-se em um composto orgânico, podendo ser usado como adubo”, explica a professora.
Casa do Celso
O projeto foi mudando a realidade das famílias atendidas. Uma dessas famílias é a do ribeirinho Celso de Jesus. Entre as principais mudanças sentidas estão os cortes nos gastos, que antes iam para a compra dos sete galões de água, consumidos pela família do morador, todos os meses.
E se antes a falta de acesso a água era um impedimento, a partir da instalação das cisternas, a água potável virou fonte de renda para o morador. Ele transformou a casa em um espaço de turismo sustentável, que funciona por agendamento, com a possibilidade de hospedagem e a proposta de um dia de vivência ribeirinha para os visitantes que agora querem conhecer a “Casa do Celso”.
Fonte: Vanessa Monteiro, jornalista, Ascom Ufra