Por Gisele Coutinho
A castanheira é também conhecida como rainha da floresta e o apelido não surge à toa. Com seus mais de 50 metros de altura e porte majestoso, ela se impõe sobre o bioma amazônico. A árvore proporciona meio relevante de subsistência para povos originários, comunidades ribeirinhas e quilombolas por meio de suas preciosas sementes apreciadas em todo o mundo.
Conhecida nacionalmente como castanha-do-Pará, mas, no mundo, como castanha do Brasil, essas sementes são empregadas em muitos setores da economia, como nas indústrias de panificação, chocolate, gastronomia e cosméticos.
Segundo o IBGE, o Pará está em segundo lugar na produção da castanha no País, com 8.643 toneladas produzidas em 2020 e R$ 20,8 milhões em valor de produção, atrás somente do Amazonas. Mas a importância do extrativismo da castanha, não só no Pará como em toda a região amazônica, vai muito além de sua relevância econômica ou de seus atributos nutricionais.
Quando a atividade é praticada de forma coletiva pelos castanheiros, e não de maneira individual à mercê dos atravessadores, os resultados são o fortalecimento profissional da categoria e preservação da floresta. É como o engenheiro florestal Marcos Froes Nachtergaele avalia as transformações atuais desse mercado em conversa com o Pará Terra Boa, nesta quarta-feira 26/01.
Foi justamente por meio da organização dos coletores de castanhas-do-Pará que o desmatamento desenfreado passou a ser combatido com eficiência, auxiliando na recomposição das áreas de floresta dessas áreas, diz.
Marcos, que já fez parte dos quadros do Imaflora e hoje atua como consultor independente para associações e cooperativas de coletores, explicou que, no passado, o desmatamento em regiões como do Alto Xingu, Terra do Meio ou Calha Norte vitimou muitas castanheiras. Apesar de não serem facilmente derrubadas, elas acabavam queimando de pé quando era ateado fogo nas áreas desmatadas.
“Isso dificultou em muito a vida dos ribeirinhos que dependiam delas (castanheiras) para garantir o sustento de suas famílias, já que os trabalhadores foram para áreas mais distantes na busca pelas árvores cada vez mais raras e com menor produtividade”, lembra.
Segundo ele, com a formação desses coletivos, seja por meio de associações, sindicatos ou cooperativas, as comunidades se empoderaram economicamente e passaram a ter mais condições de lutar pela manutenção das áreas de floresta intactas.
“Com isso, as castanheiras foram preservadas e passaram a crescer nas condições ideais para que as sementes se desenvolvessem da forma plena, resultando em safras maiores e de muita qualidade”, diz o engenheiro florestal.
O poder da cooperação
Outro efeito do trabalho cooperativo é a facilitação de parcerias comerciais que podem modernizar o setor, como abertura de usinas de processamento, e precificar o produto de forma mais justa para toda a cadeia, sem o abuso de atravessadores.
Ilson Martins Silva, gerente comercial da Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu (Camppax), lembra que só com a união dos extrativistas foi possível estabelecer preços de forma mais equânime para os extrativistas.
“As cooperativas e associações de coletores como a Camppax trouxeram maior segurança para a vida de quem depende economicamente do extrativismo na floresta, seja da castanha ou de outros produtos nativos do nosso bioma. No caso da castanha, conseguimos reverter um cenário onde preços lesivos eram praticados, prejudicando toda a realidade econômica da região. Para se ter uma ideia, antes os atravessadores costumavam pagar entre R$ 0,50 e 0,80 por um quilo de castanhas. Hoje nós temos uma média de preço que gira entre R$ 3,50 e R$ 4 pela mesma quantidade”.
Ilson destaca ainda que a cooperativa desenvolve atividades com outras culturas para remediar a queda na renda dos cooperados no período da entressafra da castanha do Brasil, como exploração do jaborandi, polpas de frutas e cacau por meio do sistema agroflorestal.
“Isso para aqueles que têm alguma extensão de terras próprias, fazendo com que cada família consiga se proteger da falta de recursos para sua subsistência na entressafra ou nos anos de safras pouco volumosas”.
Coincidindo com a pandemia do novo coronavírus, os anos 2020 e, principalmente, 2021, registraram baixas históricas na produção de castanha no Brasil. Fatores climáticos extremos também contribuíram para a curva de queda. Com menos castanha no mercado, algumas empresas de médio e grande portes, nacionais e internacionais, passaram a buscar extrativistas que fornecessem certificação de origem da castanha-do-Pará, com a devida responsabilidade ambiental.
Rogério de Oliveira Pereira, presidente da Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha-Norte (Coopaflora) e membro do conselho-diretor da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (ARQMO), sabe a importância que o mercado e consumidores começaram a dar à rastreabilidade dos produtos, com documentação que mostre a origem da castanha do Brasil. Por isso, só negocia com clientes que aceitam algumas contrapartidas sociais para melhorar a vida das comunidades extrativistas.
“Somos procurados para concretizar parcerias com empresas interessadas em apoiar instituições como as nossas ao buscarem por insumos de boa procedência para seus produtos, mas exigimos contrapartida em termos de apoio às nossas ações para além do âmbito econômico. Os contratos só são fechados após termos a certeza de que essas companhias irão endossar projetos de preservação ambiental, de educação e capacitação profissional para as pessoas daqui ou para a viabilização de uma melhor infraestrutura sanitária ou mesmo logística para os municípios da Calha-Norte”, diz.
A cooperativa dirigida por Rogério hoje tem um alcance estimado de mil famílias, entre cooperadas e não cooperadas. Para ele, a castanha-do-Pará não é apenas fonte de renda, mas motivo de orgulho e inspiração para a construção de uma rotina saudável em comunidade.
Fartura?
Tanto Rogério como Ilson e Marcos acreditam que 2022 será um ano de fartura para compensar as quebras de safra dos anos anteriores.
Isso porque, além da expectativa por um maior volume de coleta, aumentou a procura por castanhas do Brasil no mercado externo, o que abre espaço para negociações ainda melhores para ribeirinhos, quilombolas, assentados e povos originários no Pará que trabalham de forma cooperada.
Ao mesmo tempo, acredita-se que o cooperativismo terá grande expansão para as demais sub-regiões paraenses e, com isso, a castanheira continuará reinando, firme e forte, sobre as copas da floresta amazônica.