A Conferência do Clima da ONU (COP) é realizada desde 1996, mas só agora, 26 anos passados, assistimos ao fato histórico de ter a participação recorde de povos indígenas nesta 26ª edição da COP, que ocorre até o dia 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.
Mas é uma COP histórica não apenas por isso. As comunidades indígenas vão receber US$ 1,7 bilhão para proteger seus territórios doado pelos governos do Reino Unido, Holanda, Noruega e Alemanha, além de 17 doadores privados norte-americanos, entre as quais estão a Fundação Ford, Rainforest Trust, BEzos Earth Fund, Arcadia, Sobrato Philanthropies, Wyss Foundation e a Bloomber Philanthropies.
Outra medida que deve beneficiar os povos tradicionais, que enfrentam ameaças diárias em disputas por terra, ouro e minério, é o Acordo sobre Florestas com recursos de 12 países, de R$ 68 bilhões previstos até 2025.
Como todo paraense sabe, não há neste planeta protetor maior das florestas que os povos indígenas, o que já está comprovado por meio de várias pesquisas científicas, com números e extensões exatas de terras protegidas por eles no meio do fogo cruzado do desmatamento e das maiores emissões de gases de efeito estufa.
Dito isso, passou da hora de ouvir os indígenas quando autoridades, empresas e entidades da sociedade civil se levantam com alertas de desmatamento e destruição da nossa biodiversidade, concordam? Outro dia mesmo o Pará sediou o Fórum Mundial da Biodiversidade, em que se debateu, durante três dias, o papel fundamental deles numa economia baseada em produtos da floresta.
Surpreendente, no dia da abertura da COP26, a indígena Txai Suruí, de 24 anos, mandou seu recado forte. Nesta quinta-feira, 4/11, foi a vez de outras três lideranças de comunidades tradicionais deixarem seus alertas e queixas na conferência internacional contra o rastro de destruição deixado pelas hidrelétricas nos territórios indígenas.
A principal reclamação foi a falta de participação dos indígenas nas discussões dos investimentos em energia na Amazônia Legal. Segundo elas, isso é “falta de respeito” com quem mais protege o meio ambiente, e ainda sem ganhar nada em troca.
Belo Monte, por exemplo, trouxe alta nas taxas de criminalidade, estupros, prostituição, alcoolismo, uso de drogas para Altamira, bem como acertos de conta e queda nos números da pesca, atividade de sobrevivência dos indígenas. E, para piorar, a população local, segundo elas, paga conta de luz alta e vive parte do dia no escuro.
“O que significa a hidrelétrica de Belo Monte? Morte. Ela foi feita e construída em cima dos nossos corpos, das nossas casas, nossos animais, com o nosso sangue, porque cortar o Rio Xingu no meio é cortar um sangue nosso. Quem financia esse tipo de projeto é assassino. É preciso que se diga a esses investidores: ‘você está financiando assassinato e você precisa ser responsável por isso, não só o Governo Federal”, disse Juma Xipaia, do Instituto Juma.
Além disso, diz a indígena, “temos a Belo Sun, que é uma mineradora canadense. Canadá, por que você não leva a Belo Sun para o seu país? Por que querem ocupar e colocar a mão em nossas terras? Nós somos de uma geração que já nasceu em guerra. Queremos criar nossos filhos na nossa terra”.
Na mesma linha foi a fala de Sandra Braga, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
“O impacto das hidrelétricas nos afeta de forma absurda. Eles tentam nos silenciar, nos tirar o direito à vida. É tirar nossa subsistência, o direito pela água, pelo consumo da pescada e tantos outros benefícios. Estão nos silenciando e tirando nossos direitos, sem consulta”, disse.
O quilombola Hilton Durão, do Baixo Tocantins, alertou para os riscos de projetos futuros da Hidrelétrica de Tucuruí.
“Atualmente, estão planejando destruir ainda mais. Existe um projeto de dragagem para passar grandes embarcações, que irá dificultar e trazer mais impactos. Na década de 1970, quando se instala a Tucuruí, eles expropriam mais de 32 mil pessoas, não houve consulta prévia informada. Moramos a poucos quilômetros da hidrelétrica e pagamos a conta de luz mais cara do Brasil, e passamos grande parte do dia sem luz”, contou.
A líder Alessandra Munduruku deixou exemplos práticos do impacto das hidrelétricas para os territórios indígenas.
“Quem tá preocupado com o aquecimento global? Nós, sim, porque estamos sentindo na pele, com rio seco, sem peixe, mexendo no tempo certo da roça, com falta de água. A destruição que já está lá, o garimpo está matando crianças, mulheres, os índios isolados estão morrendo. Essa água contaminada é a que o meu povo está bebendo, é a agua que está trazendo destruição para o meu povo, para os nossos peixes.”, afirmou.
Ricardo Baitelo, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), falou da forte dependência energética (2/3) do Brasil com as hidrelétricas, que produzem mais energia no período das cheias na Amazônia. Na época da estiagem, como agora, as termelétricas, movidas a carvão, são acionadas, encarecendo a conta de luz da população. Ele concordou com a gravidades dos impactos, como deslocamento das populações, inundações de terras férteis, comprometimento de material arqueológico, perda de diversidade terrestre e aquática. Por isso, para a região, ele cita as usinas de energia solar.
“Na solar, acreditamos mais . Porque quem está gerando, está vendo de onde a energia está saindo. É muito diferente de Belo Monte ou Tucuruí, onde a população não tem ideia de quem está sendo impactado com a energia. A região amazônica não está interligada. Está abastecida por sistemas isoladas, por termelétricas, poluentes e caras”, disse.
Juma, do Instituto Xipaia, contra-argumentou que energia limpa “não interessa ao governo, nem às multinacionais. O que eles querem é o ouro”, resumiu.
A mensagem final de Juma foi de que a Amazônia não é só para os povos indígenas, é para todo o planeta, seja qual for sua nacionalidade. “Todos se beneficiam com o que a Amazônia faz. Só tem a Amazônia ainda porque tem povos da floresta lá”, concluiu.