Por Gisele Coutinho
Se em 1996, na primeira edição da Conferência do Clima da ONU (COP), alguém te falasse que jovens mulheres negras e indígenas estariam na Conferência alertando o mundo sobre a importância de justiça climática, você acreditaria?
Pensar neste futuro justo também é um grande desafio para jovens ativistas que marcaram presença nesta sexta-feira, 5/11, na 26ª edição da COP, que ocorre até o dia 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia, durante a apresentação do MUVUCA – programa de ativismo climático realizado pelo NOSSAS com 35 jovens ativistas do clima. Elas foram convidadas do Brazil Climate Action Hub, grupo criado em 2019 por diversas organizações da sociedade civil brasileira para dar visibilidade à ação climática brasileira durante a COP25, realizada em Madri, na Espanha.
“Posso sofrer ataques pelo que estou falando aqui hoje. Mas é importante para o amanhã. Se tem floresta em pé hoje é porque nós, povos da floresta, estamos defendendo. Enquanto juventude, lutamos para que nossos representantes realmente atendam o que buscamos: ter nossos rios livres de hidrelétricas e mineração, respeito à nossa biodiversidade. Vamos conquistar tudo isso”, alertou Val Munduruku, ativista indígena nascida em Jacareacanga e moradora de Alter do Chão, no Pará.
A ativista disse que seu dia a dia é de luta em meio à especulação imobiliária, invasão madeireira e do garimpo ilegal, mas alertou que para alcançar justiça climática é necessário entender as necessidades dos povos das cidades e das florestas, para que cidades não cresçam “de costas para a floresta”.
Val pertence à terra indígena do povo Munduruku, localizada no alto Rio Tapajós. Mesmo com a pandemia, há grande aumento da invasão do território por garimpos ilegais. A ativista denunciou na apresentação que a atividade ilegal não parou e o desmatamento e contaminação de rios na região só aumentam.
Clima e raça
Questões raciais permearam o debate promovido pelo Muvuca.
“Justiça climática é falar sobre pessoas que sempre tiveram seus direitos sequestrados, seus antepassados e seu futuro negados. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Então é falar sobre a luta de manter direitos ou sobre quem não tem direitos. É falar sobre esperança que a gente não precise ser sempre linha de frente. É falar sobre justiça racial e sobre garantia que a gente vá ter um amanhã”, ressaltou Elenita Sales, da United For Climate Action, convocando a população global para a ação: “Usem suas redes de contato, financiem projetos como este”.
O que é o MUVUCA
A palavra muvuca significa coisas diferentes em diversas regiões, como muita coisa acontecendo ao mesmo tempo ou muita gente junta, uma aglomeração. E também significa a “técnica indígena de plantio, inovadora para a engenharia, mas que povos tradicionais e originários usam há anos. Uma técnica de replantio de sementes nativas em áreas degradadas, explicou Karina Penha, do NOSSAS.
O MUVUCA, além de realizar rodas de conversas sobre experiências e desafios desses jovens ativistas brasileiros e amazônicos frente à crise climática global e suas diferentes atuações na construção e mobilização pela justiça climática, também oferece estrutura para ações práticas, como aulas de inglês para jovens e acesso à internet na floresta. Com suas experiências, jovens impactam as comunidades, fortalecem parcerias e dialogam com as políticas climáticas locais e globais.
“Falar sobre justiça climática é falar sobre transversalidade. Dentro da minha vivência isso atravessa muitos assuntos, como agricultura sustentável, processos agroecológicos, até falar sobre direito à moradia e segurança alimentar, gênero e racismo”, disse Ellen Monielle, do MUVUCA.
“Ser jovem ativista no Brasil é desafiador. Quando você é uma jovem preta no Brasil é difícil, às vezes, imaginar o amanhã. Mas acredito que coisas melhores virão e estou lutando para isso”, finalizou.
O que é o NOSSAS
O NOSSAS é uma ONG que começou no Rio de Janeiro há 10 anos, no Meu Rio, com realização de campanhas e tecnologias com olhar para a cidade, e se desdobrou pelo país com o Minha Sampa (SP), Minha Manaus (AM), Minha Jampa (João Pessoa, PB). Programa de mobilizadores que replicam ações e ferramentas já existentes para juventudes de diversas regiões e impulsionam ativismo solidário e democrático.