Hoje, 19 de abril, é o Dia dos Povos Indígenas do Brasil, não o Dia do Índio. A modificação foi feita pelo Senado Federal em 2021 porque nossos parentes, por muitas décadas, criticavam a alcunha de serem nomeados geneticamente de “índios”, apelido dado pelo colonizador Américo Vespucio.
Ainda não podemos comemorar, principalmente em um momento em que seus direitos fundamentais, reconhecidos na Constituição Federal de 1988 após muita luta e mobilização, estão sendo questionados e agredidos pelas elites econômicas e pelo próprio Estado. Trata-se de uma luta atual contra o apagamento dessas culturas.
Nesses 522 anos do que chamamos Brasil, os povos indígenas hoje sofrem perseguições e usurpações de seus direitos humanos e de seus corpos e territórios. São eles, no entanto, que transformaram nossa floresta amazônica – sim, nossa floresta não é nativa, pois foram eles que plantaram várias espécies de árvores que hoje encantam o mundo – e defendem há séculos com unhas e dentes nossa terra, nosso solo. Por isso, inclusive, deveriam ser recompensados financeiramente. Sem eles, possivelmente, muita palmeira estaria no chão, dando lugar à pecuária ou a monoculturas (soja e milho) que só enchem o bolso de uma minoria.
Hoje, seus territórios são cobiçados pelo grande capital, especialmente pelo garimpo ilegal, madeireiros e pela mineração, são contaminados por minerais pesados que ameaçam a vida de seus povos, são invadidos por ladrões de terra e são desrespeitados segundo artigos da Constituição. Os yanomamis vivem hoje, por exemplo, um verdadeiro calvário por causa de garimpeiros invasores, assim como vários outros povos.
Mas o paraense sabe, com cerca de 40 diferentes etnias presentes no Estado, que os povos indígenas estão cada vez mais atuantes em defesa de seus idiomas, culturas, diferentes modos de ser, de sentir, de hábitos e costumes, artísticos e sagrados, que devem ser respeitados e reconhecidos como patrimônios próprios de cada povo. Vimos como foram atuantes na Conferência do Clima realizada em Glasgow, no Reino Unido, no ano passado. Parte do mundo os ouviu.
Mulheres indígenas
As mulheres indígenas também promovem uma verdadeira revolução. Elas têm obtido destaque em vários setores da sociedade, seja no direito, na antropologia, medicina, política, cinema, entre outras áreas. Veja aqui algumas influenciadores indígenas.
E para quem defende a tese de que o indígena que vive na cidade já não é mais um indígena, como se fosse “igual a todos nós”, é preciso corrigir essa deturpação do entendimento sobre o que é ser parte de uma etnia.
Ninguém rasga sua origem para virar um branco da cidade, assim, como num passo de mágica só porque passou a usar um celular de última geração. Esse indígena urbanizado não é um E.T. parido em Krypton. Seu passado é indígena, vem de ancestrais que definem sua identidade, queira ou não queira. Aliás, essa ancestralidade está estampada no rosto de cada um deles.
“Quando nós, mulheres indígenas, estamos na cidade, sofremos um duplo preconceito, pelo racismo e pelo machismo. Há uma estrutura que constantemente nos inferioriza e acontece um fenômeno que só existe com povos indígenas: as pessoas acham que por estarmos em contexto urbano, ser indígena se torna uma condição transitória. Só que ninguém pergunta para um brasileiro que mora no Japão se ele virou japonês”, diz a ativista indígena Narubia Werreria, do povo Iny, da Ilha do Bananal, de Tocantins, ao UOL.
No Brasil, segundo o Censo de 2010, há 818 mil indígenas, sendo 502 mil moradores da zona rural e 315 mil nas zonas urbanas.
Ativismo
Neste mês de abril, foi realizada a 18º edição Acampamento Terra Livre (ATL), com mais de 8 mil lideranças de 200 povos indígenas, vindos de todas as regiões do País. Veja abaixo as reivindicações indígenas, elaboradas nesse encontro, para o que chamam de “reconstrução do Brasil”:
Eixo 1 – direitos territoriais indígenas: demarcação e proteção aos territórios indígenas já!
1 – Garantia de recursos suficientes para a identificação, delimitação, declaração, demarcação e homologação imediata de todas as Terras Indígenas; elaboração de um plano factível para imediata desintrusão de todas as terras indígenas, invadidas por fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores;
2 – Constituição de uma força-tarefa Interministerial para criar Planos Permanentes de Proteção das Terras Indígenas bem como assegurar recursos e condições necessários para a sua manutenção e a participação direta das comunidades indígenas;
3 – Fortalecimento da política especial de proteção e de não contato aos povos indígenas isolados e de recente contato.
Eixo 2 – retomada dos espaços de participação e controle social indígenas
1 – Assegurar o exercício do direito de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas em conformidade com a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) quando medidas administrativas e legislativas impactem seus territórios e direitos, respeitando os protocolos autônomos de consulta e consentimento elaborado pelos povos e comunidades;
2 – Reativação de todos os dispositivos de participação social, em que os povos tinham representação: Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI); Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA); Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH);
3 – Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Subsistema de Saúde Indígena (SESAI/SUS), bem como implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGTI).
Eixo 3 – reconstrução de políticas e instituições indigenistas
1 – Reestruturação das instituições responsáveis pela implementação das políticas públicas voltadas aos nossos povos, em especial, a FUNAI e a SESAI, garantindo autonomia, rigor técnico, servidores públicos e dotação orçamentária condizente com as necessidades das ações necessárias à promoção dos direitos indígenas, com respeito à diversidade de povos, gêneros, e gerações;
2 – Criação de mecanismos específicos de proteção a indígenas defensores de direitos humanos, com recursos financeiros e estrutura administrativa condizente;
3 – Garantir assistência integral à saúde indígena e à educação escolar intercultural e bilíngue respeitando as especificidades culturais e sociais de cada povo indígena.
Eixo 4 – interrupção da agenda anti-indígena no congresso federal
1 – Impedir o avanço de medidas legislativas que atentam contra os direitos territoriais indígenas, e com urgência, os PL 490/2007, do Marco Temporal, e o PL 191/2020 da mineração em terras indígenas.
Eixo 5 – agenda ambiental
1 – Propor medidas legislativas e administrativas que estabeleçam mecanismos de rastreabilidade de produtos, em respeito à devida diligência, para garantir que não sejam resultantes de conflitos territoriais, explorações ilegais de Tis, e áreas ilegalmente degradadas;
2- Retomar os compromissos e ambições ambientais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e em outros acordos internacionais do clima e meio ambiente;
3 – Reestruturar o ICMBio e o IBAMA, garantindo autonomia funcional, rigor técnico, servidores públicos e orçamento adequado para que cumpram suas missões institucionais de defesa dos biomas brasileiros;
4 – Reconhecer a contribuição dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais na preservação da biodiversidade brasileira, criando mecanismos de reconhecimento pelo serviço ambiental prestado e incentivando iniciativas indígenas, como as brigadas indígenas anti-incêndio;
5 – Retomar as políticas de preservação de nossas fontes de água doce, reconhecendo o papel dos Povos Indígenas na gestão de grande parte de nossos recursos hídricos.
Fonte: Cimi