Por Ivana Guimarães
Localizada em Augusto Corrêa (PA), a Fazenda Bacuri trabalha com produção agroindustrial orgânica e artesanal de polpa de frutas e licores da biodiversidade amazônica, sendo pioneira na certificação de seus processos e tendo reconhecimento internacional.
A propriedade foi fundada pelo economista nipo-brasileiro Henrique Osaqui, nos anos 70. “Ele acreditava que o bacuri, através do manejo, poderia mudar a vida das pessoas nessa região onde a agricultura é geralmente de corte e queima”, contou Hortência Osaqui, engenheira florestal e administradora da fazenda ao Pará Terra Boa.
O que a família Osaqui não podia prever é que as mudanças climáticas alterariam o período de safra do bacuri, deixando os frutos secos e prejudicando a produção.
“Nós temos sofrido muito. Nesses últimos anos, há uma mudança de temperatura e de período também. Por exemplo, no ano passado, o bacuri começou a florar em maio e, até julho, ele já estava florado. Entre agosto e início de dezembro já tinha fruto fora de época. Não é pra ter fruto em dezembro, é para ter em janeiro. Só que quando ele antecipa, eu não tenho água. Porque aqui nós temos um período bem definido sem chuvas, os quatro últimos meses do ano. É sem nada, zero chuva. Começa a chover a partir de janeiro. Quando começa a chover, a fruta absorve a água. Se não chover, meu fruto fica seco. Então já tem duas safras que a gente vem sofrendo”, analisa Hortência.
E se eles não tivessem o controle do sistema como prioridade, as consequências das alterações no clima poderiam ser ainda mais severas. A propriedade tem uma área de 64 hectares quase toda fechada, possuindo indicativos ambientais, como borboletas e pássaros que mostram seu equilíbrio.
“A nossa preocupação vai além do que está só na floresta, mas quem está embaixo da floresta também. A gente vem desenvolvendo com o INPA (Instituto Nacional em Pesquisas da Amazônia) um projeto sobre produção de cogumelos com o objetivo de utilizar tudo o que a floresta pode nos dar de forma sustentável e assim poder mantê-la.”
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Como o bacuri transformou uma comunidade
Hortência explica que o objetivo de fomentar o desenvolvimento sustentável na Amazônia vem de muito tempo. Visionário, seu pai já tinha essa preocupação desde a década de 70.
“Esse trabalho na fazenda Bacuri começou na década de 70 com o meu pai. Ele acreditava que o bacuri, através do manejo, poderia mudar a vida das pessoas nessa região onde a agricultura é geralmente de corte e queima. Essa floresta de bacuri dessa região é uma espécie por rebrotamento natural. Então ele observou que se mantivéssemos essa agrofloresta, ela poderia ter melhor rendimento econômico com baixo custo de manutenção e alto valor agregado. Quando ele observou isso, começou a fazer o manejo de forma empírica. Ou seja, ele vislumbrou a floresta já que antes a madeira do bacurizeiro era muito usada para a construção naval e na época tudo era em função do rio, a gente não tinha a estrada. Então imagina que nossos bacurizais foram todos dizimados.”
Aproveitamento dos frutos
Com um quintal florestal de dez hectares com diversos tipos de frutas como o açaí, taperebá e sapoti, a engenheira conta que alguns foram desenvolvidos para ter uma linha de produtos, já outros só são usados na fazenda. O carro chefe da empresa, o bacuri, é aproveitado ao máximo, tanto em polpa, quanto em casca e caroço.
“Utilizamos praticamente 100% do bacuri. O fruto tem uma média de no máximo 20% de polpa comestível, o restante é caroço e casca. Hoje, todo meu processo é certificado como orgânico. Então, eu consegui um mercado para os caroços, que é a indústria de cosméticos. A gente está começando a fazer um trabalho para utilização da casca, pelas suas propriedades antioxidantes. Parte dessa casca também vai pra adubação então meu resíduo é praticamente zero”, esclarece.
Compartilhando conhecimento
A agroempresa familiar recebe entre 200 e 400 alunos por ano. Grande parte dessa visita é subsidiada pela própria fazenda.
“Eles vêm, passam o dia, a gente fala de todo o processo e depois eles almoçam aqui. A gente gosta de trabalhar principalmente com os jovens para mostrar esse modelo de negócio, explicar que é possível ser feito aqui pertinho deles e para que entendam o processo sustentável”, conclui.
Rainha Elizabeth II provou bacuri*
O bacuri, fruta nativa da Amazônia, da qual é extraída uma polpa saborosíssima, já ganhou o mundo e caiu nas graças da realeza.
Isso porque, segundo conta um garçom que atendeu a comitiva real em 1968, em uma de suas visitas ao Brasil, a rainha Elizabeth II não resistiu a essa frutinha.
A rainha ficou tão encantada com o sorvete de bacuri, sobremesa dos grandes banquetes oficiais oferecidos pelo Brasil, que levou para a Inglaterra latas e latas da polpa dessa fruta.
Além de sabor, o bacuri tem uma árvore de mil e uma utilidades; a qual é, ao mesmo tempo, frutífera e madeireira.
Como frutífera, o bacurizeiro (Platonia insignis Mart.) produz um fruto saboroso e rico em potássio, fósforo e cálcio, cuja casca e polpa são usadas na culinária regional, na produção de doces, de sorvetes, de sucos, de licores e de outras delícias.
Além disso, da semente do bacurizeiro se extrai um óleo usado como anti-inflamatório e cicatrizante pela medicina popular e pela indústria de cosméticos; e, de seus troncos e galhos, uma madeira nobre e resistente, que ainda hoje é muito procurada.
*Com Embrapa Amazônia Oriental