Por Ivana Guimarães
Como desenvolver uma agroindústria em um município com um dos menores índices de desenvolvimento humano (IDH) do país, sendo mulher e sem incentivos?
Hortência Osaqui, engenheira florestal e administradora da Fazenda Bacuri em Augusto Corrêa, município paraense que ficou na posição 107 do ranking de cidades com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2010, contou ao Pará Terra Boa sobre como superou esses desafios, valorizando tecnologias de inovação social, ambiental e econômica, bem como se despertou para a potencialidade do turismo dentro da propriedade que administra.
A fazenda trabalha hoje com produção agroindustrial orgânica e artesanal de polpa de frutas e licores da biodiversidade amazônica, sendo pioneira na certificação de seus processos e tendo reconhecimento internacional.
Tradição e pioneirismo na certificação
De volta à propriedade da família em 2009 e com o objetivo de dar continuidade ao legado do pai, Hortência diz que se deparou com diversas barreiras.
“Em 2009, eu voltei para a fazenda pensando em como eu iria fazer alguma coisa num município com um dos menores IDHs do Brasil, sem nenhum incentivo para agricultura e estando a 230 quilômetros do grande mercado. E aí eu tive a necessidade de entender o legado do meu pai”.
Seu pai, lá atrás, já estava preocupado em fazer o manejo correto do solo diante de tanta variedade de frutas. Hortência deu sequência, expandindo sua lista de clientes, que resultou na abertura de uma pequena agroindústria. Hoje, até selo de qualidade seus produtos têm.
“Então, depois do manejo, o próximo passo seria a verticalização da cadeia produtiva que seria uma agroindústria. Aí eu me deparei com milhões de barreiras. Infelizmente, o estado não consegue ver que a gente precisa desenvolver a cadeia produtiva. Hoje já vê mais ou menos, mas há 12 anos ele estava começando o processo de legislação. Através dessa legislação, nós poderíamos fazer uma pequena agroindústria, verticalizar a produção e vender para outros lugares. Isso antes não era possível.
Em 2014, a gente fez a primeira agroindústria artesanal familiar com selo de inspeção artesanal para nossas geleias, licores e polpas. Também fomos a primeira agroindústria do estado com produtos acabados e com frutas da biodiversidade a ter o selo para licores de frutas da Amazônia”, diz a produtora rural.
Fortalecendo o turismo
Para manter a fazenda, foi traçado um plano econômico e um dos principais pontos estudados foi o turismo. Além de a Fazenda Bacuri produzir vários produtos com certificação, também encanta turistas em busca de natureza.
“As pessoas vêm à fazenda para entender o processo de como uma pequena família trabalha na Amazônia de forma sustentável. Não vêm fazer uma visita só para tirar foto do bacurizeiro, não é nada disso. O bacuri tem quatro meses de safra, mas eu tenho que gerar renda durante o ano inteiro. Quando eu recebi o meu primeiro turista em 2016, comecei a fortalecer esse processo, estudando o que podia ser melhorado. Todos esses estudos que a fazenda faz são transformados em tecnologia de inovação social, ambiental e econômica”, diz Hortência.
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Papel social do bacuri
Dentre as inovações sociais da Fazenda Bacuri está o trabalho de convidar parceiros de diferentes atividades para conhecer seus processos.
“Aí começa o nosso processo de orientar essas pessoas e convidar alguns parceiros para fazer esse entendimento do turismo. Orientamos essas pessoas, por exemplo, sobre como atuar na fase produtiva de alimento, quais são os requisitos que ela precisa se adequar. Então, a fazenda faz esse link para que empreendimentos sejam empreendedores e acreditem no próprio negócio”, esclarece.
Liderança feminina no meio rural
Sendo mulher em um ambiente predominantemente masculino, Hortência fala sobre os desafios que enfrentou.
“Quando comecei a vender bacuri, eu saía às 17 horas daqui e chegava às 22h em Belém. Dormia e vinha no outro dia. Quando chegava lá era só homem que praticamente trabalhava na compra. Aí teve um dia que eu estava muito cansada por causa da safra, a gente anda 17 quilômetros por dia. Então eu chego em Belém carregada e me dizem que vão pagar bem menos que o combinado, depois que eu já havia baixado todo o bacuri. Eu chamei o rapaz que descarregou e paguei o dobro para recolocar todo o meu produto no carro”, relembra.
A administradora da Fazenda Bacuri entende que seu trabalho serve de inspiração e incentivo para outras mulheres.
“Ainda é um mundo dos homens, mas eu calcei a bota da produtora rural e vi que essa é uma oportunidade para abrir portas para outras pessoas. Porque hoje eu sirvo de referência para muitas mulheres, sabe? Hoje estou olhando para minha propriedade porque o meu sonho era esse e eu vejo que é possível fazer”, analisa.
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