Não é só o polêmico Projeto de Lei 191/2020, conhecido como PL da mineração e garimpo em terras indígenas, que rasga a Constituição ao não incluir as comunidades de diversas etnias no debate. O projeto de construção da ferrovia Ferrogrão, que pretende interligar Sinop (MT) a Miritituba, em Itaituba (PA), também. O cacique Juarez Saw Munduruku, da Terra Indígena Sawré Muybu, falou ao Pará Terra Boa que seu povo nunca foi chamado para falar dos impactos da obra vizinha a seu território, no Médio Rio Tapajós.
Por isso, ainda bem que a obra foi embargada em março de 2021 pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, pelo fato de o projeto estar sendo conduzido à revelia dos paraenses.
A Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), que tem dinheiro e advogados, foi para cima: entrou na segunda-feira, 14/03, com uma petição junto ao STF, na condição de Amicus Curiae, para participação ativa na ação. O objetivo é pressionar a Corte a favor dos interesses da indústria, comércio, pecuária, construção civil e serviços.
Enquanto a FIEPA usa sua força para chegar à Suprema Corte, quem não tem dinheiro ou influência está ficando de fora. Um projeto da envergadura da Ferrogrão, com investimento inicial de R$ 8,42 bilhões para instalação de 933 km de trilho, não pode ignorar os vizinhos da obra, conforme reforça o cacique Juarez.
“Na nossa região, a gente está sendo ameaçado por todos os projetos grandes. Começa pela hidrelétrica São Luiz de Tapajós, que fica do lado de baixo, e a Ferrogrão, que passa por trás da aldeia, a 20 km do limite para a BR-163. Estamos muito preocupados porque nunca fomos consultados, nunca fizeram um diálogo com a gente. Só se ouve que vai ter o projeto, mas a consulta nunca existiu. A gente não sabe o que vai acontecer, mas sabe que vai impactar nosso povo com a Ferrogrão”, afirmou o cacique.
Ele lamentou que outras comunidades devem ser ouvidas, mas não os mundurukus.
“Falaram que não precisamos ser consultados porque não vamos ser atingidos. Só querem consultar outras comunidades. Mas a gente sabe o limite da nossa terra, nós é que sabemos se vamos ser impactados ou não, e disso não temos dúvida. Com certeza, se tiver a Ferrogrão, vai multiplicar o número de invasões de nossas terras, que está ao lado da obra”, disse o cacique da TI Sawré Muybu.
Com 178 mil hectares, a TI Sawré Muybu sempre foi um território conhecido do povo Munduruku. Localizado dentro dos limites do município de Itaituba, no sudoeste paraense, o território se estende até a foz do rio Jamanxim e da Floresta Nacional do Jamanxim (Flona Jamanxim).
Desde o início do ano, a FIEPA tem pressionado autoridades, estaduais e federais, para a retomada da ferrovia, considerada estratégica para o escoamento da produção no País. Segundo o vice-presidente da FIEPA, José Maria Mendonça, a tese que aponta impacto ambiental e que provocou a paralisação do projeto não se sustenta.
“O que percebemos é que o impasse sobre o andamento do projeto não é de origem técnica, mas sim, política, porque além de se tratar do uso de área já antropizada (impactada por ação do homem), os estudos do componente indígena apontam que o impacto sobre as comunidades ali existentes é quase zero, já que em seu traçado final a ferrovia ficará bem afastada das terras indígenas, sendo que as duas comunidades próximas ao eixo da ferrovia são as da Praia do Índio e da Praia do Mangue situadas na zona urbana de Itaituba, enquanto que a ferrovia passará na margem contrária à sede do município, tendo o rio Tapajós separando as comunidades da ferrovia”, afirmou Mendonça, conforme registrou o site da FIEPA nesta quarta-feira, 16/03. As praias citadas pelo empresário são habitadas pelo povo Munduruku.
Histórico
Um ano atrás, em 15 de março de 2021, o Supremo Tribunal Federal atendeu ao pedido de liminar do PSOL (ADI 6553) e suspendeu a Lei 13.452/2017 que altera os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, bem como a construção da ferrovia Ferrogrão, que cortaria a unidade de conservação.
A Lei 13.452/2017 exclui 832 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, afetando povos indígenas da bacia do Xingu, região já muito impactada pelo desmatamento, avanço da agropecuária e de atividades ilegais e violentas como grilagem, roubo de madeira e garimpo.
O partido defende a impossibilidade de se excluir terras de área de preservação ambiental por medida provisória, tal como foi feito, argumento com o qual o ministro Alexandre de Morares concorda, reafirmando a exigência de uma lei em sentido formal para que se efetue uma alteração como a pretendida.
Em abril do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) reagiu de forma contrária à obra. O órgão recomendou que os estudos de viabilidade para a concessão do empreendimento fossem devolvidos à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e remetidos de volta ao órgão de controle apenas quando o empreendimento tiver sua primeira licença ambiental.
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), defendeu ao jornal “Valor” na época que a análise do tribunal fosse feita só depois de “consulta livre, prévia e informada” dos povos indígenas afetados pela Ferrogrão. Esse procedimento, segundo ele, é indispensável para atender aos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – tratado ratificado pelo Brasil.
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