O Pará Terra Boa conversou com Fábio Sicília, criador da Gaudens Chocolate, marca 100% paraense que conquistou medalha de bronze com o chocolate branco com cupuaçu, na Academy of Chocolate de Londres, uma das maiores referências do mundo em chocolates premium.
O chocolatier contou que ingredientes como cupuaçu e bacuri têm um diferencial e uma explosão de sabores tão grande, que conquistaram os juízes da premiação, mesmo sem eles nunca terem provado as frutas antes.
O bacuri usado pela Gaudens vem direto da Fazenda Bacuri, que trabalha com produção agroindustrial orgânica e artesanal de polpa de frutas e licores da biodiversidade amazônica. Localizada em uma região onde a agricultura é geralmente de corte e queima, a propriedade valoriza o sistema agroflorestal, uma excelente forma de recuperação de áreas degradadas, onde o monocultivo, a pecuária extensiva e o uso predatório da terra exauriram a capacidade natural produtiva.
Fábio também falou sobre a importância da verticalização de produtos amazônicos e sobre como as tecnologias brasileiras precisam avançar para que detentores da matéria-prima de altíssimo padrão, como os paraenses, possam se desenvolver.
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Pará Terra Boa – No site da Gaudens consta que, no início, os chocolates finos não eram valorizados no Pará. Como você vê essa questão hoje?
Fábio Sicília – Eu frequento a região de Medicilândia desde 2004 e nessa época eles começaram o movimento de qualificação do cacau, permitindo que a gente pudesse produzir chocolate de alta qualidade. A região sempre teve um solo muito bom, o que permitia fazer chocolates gostosos, mas o Brasil tinha o mau hábito de produzir produtos de péssima qualidade, extraindo a manteiga para a indústria da farmácia e cosméticos, e substituindo por gordura vegetal. Então, isso acabava prejudicando a qualidade dos produtos que ainda não tinham a riqueza da fermentação. Em 2012, já tendo cacau fino, eu lanço a marca Gaudens, chegando ao ponto de agregar outros ingredientes elegantes, como cupuaçu e bacuri, e ganhar o prêmio da Academy of Chocolate de Londres.
Pará Terra Boa – O que é a verticalização gerada pela valorização de produtos amazônicos?
Fábio Sicília – Nesse sentido, eu acho muito bom entender a diferença entre cacau e chocolate. O cacau vendido como cacau não gera verticalização. Verticalização é quando eu agrego outros ingredientes e ligo outras cadeias. Aí, o recurso gerado pela venda do chocolate não se limita mais a um produtor de cacau, mas a uma indústria de chocolate que compra de um produtor de cacau, cupuaçu e bacuri, e que também comercializa. Verticalização é ampliar o leque de pessoas que ganham junto com você com o desenvolvimento do seu produto E para se conquistar mercados maiores, você precisa ter qualidade. A qualidade exige tecnologia e fomenta a indústria de maquinários. Hoje, para mim, o ápice desse processo todo é nós termos chegado a produção de um chocolate com reconhecimento de qualidade mundial de altíssimo padrão, produzido com equipamentos de tecnologia de ponta brasileiros, por indústrias paraenses que conseguiram agregar esse valor e deixar esse chocolate competitivo no mercado mundial.
Pará Terra Boa – Como você vê a recepção de pessoas de fora do Pará e do Brasil com ingredientes paraenses como cupuaçu e bacuri?
Fábio Sicília – Olha, eu pensava que o bacuri fosse ganhar o prêmio, não o cupuaçu, porque na cultura local ele é mais cobiçado. Só que o europeu gostou mais do cupuaçu e é muito importante entender que há uma diferença cultural. Dentro do relatório dos juízes, eles citam que não conhecem a fruta, então é algo completamente novo. E conseguir um prêmio apresentando algo completamente novo para eles é muito importante porque é diferente. Você prova a primeira vez, aí quando você prova a segunda, começa a descobrir coisas ali. É que nem os grandes vinhos. Você não gosta de primeira, tem que construir essa experiência sensorial. Então, eu fico muito feliz da gente ter conseguido um prêmio, que colocou o nosso chocolate dentro dos melhores chocolates finos do mundo, sem nem sequer eles conhecerem o sabor da fruta antes.
Pará Terra Boa – Qual recado você deixa para outros produtores que trabalham com ingredientes amazônicos?
Fábio Sicília – Eu acredito que é hora da gente começar a se especializar e de cada produtor começar a melhorar cada vez mais a sua técnica. Assim como o pessoal do cacau começou a fermentar, qualificar, fazer seleção de amêndoas, cuidar melhor do cultivo e da colheita. A gente precisa estruturar isso. E também gostaria de fazer uma provocação ao meio acadêmico. O cacau autóctone está aqui no Pará há milhares de anos e a nossa academia ainda não desenvolveu um equipamento para refinar esse chocolate. Então, é hora de nós observarmos isso como uma oportunidade de mercado. Isso significa que nós estamos marcando bobeira. Enquanto a indústria de chocolate evolui fora, nós, detentores da matéria-prima de altíssimo padrão, não conseguimos nem desenvolver um refinador de cacau ou coisa do gênero.