O Pará Terra Boa contou em julho parte do capítulo da “guerra” travada entre a comunidade local e as gigantes da indústria do dendê, Agropalma S.A. e Brasil BioFuels, no nordeste do Pará, como você pode ver aqui. A Agência Pública informou nesta quinta-feira, 18/08, que documentos obtidos por sua equipe de jornalismo investigativo revelaram que ambas as empresas avançaram sobre terras públicas, onde vivem quilombolas e ribeirinhos.
Os números são alarmantes.
Setenta e dois por cento das plantações de dendê e agroindústrias da Agropalma no Pará estão sobrepostas a áreas reivindicadas desde 2016 por comunidades quilombolas e ribeirinhas dos dois lados do rio Acará, segundo análises cartográficas das áreas declaradas pela empresa, entre os municípios de Tailândia e Acará, diz a agência.
Por decisão judicial, as fazendas Castanheira e Roda de Fogo, à margem direita do rio e em posse da Agropalma, tiveram as matrículas canceladas por se tratarem de terras públicas estaduais. A sentença reconheceu a “falsidade e nulidade de todos os documentos” fundiários das duas fazendas, segue a agência.
Já 75% da área das fazendas de dendê da Brasil BioFuels correspondem ao território reivindicado pelo quilombo Nova Betel, segundo informações declaradas pelo consórcio BioVale, que vendeu a área à BBF, no sistema do Cadastro Ambiental Rural (CAR), informou a agência.
Acará
A região parece cenário de filme de guerra: tem torre de vigilância com câmera, placas anunciando acesso proibido à região, portões com vigilância 24 horas por dia, controle rigoroso para quem precisa passar pela área da Agropalma, mediante autorização prévia, para ir a um cemitério na Vila Nossa Senhora da Batalha, um verdadeiro inferno na terra de ribeirinhos e quilombolas que dependem do rio Acará para sobreviver.
O mais conflitante de tudo isso é que, em 2016, conforme informa a Agência Pública, a Associação dos Ribeirinhos e Quilombolas das Comunidades da Balsa, Turi-Açu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará entrou com processo de reconhecimento do território quilombola no Iterpa. No ano seguinte, a Agropalma também deu entrada em processo para regularizar a área pública que já ocupa e onde planta dendê, apontada pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público do Pará como imóvel parcialmente grilado.
O processo quilombola ficou parado por dois anos, até 2018. O Iterpa, que não disponibiliza todo o processo em formato digital, não informou o paradeiro do processo físico, em papel, entre novembro de 2020 e dezembro de 2021.
Mesmo tendo sido protocolado depois, o pedido da Agropalma andou rapidamente. Só no primeiro ano de tramitação, o Iterpa deu andamento a 18 fases do processo da empresa, contra dois do da comunidade quilombola. Desde então, a Justiça tem dado razão à empresa, num processo judicial bem típico do Brasil: quem tem dinheiro e escritório bom de advocacia, ganha.
A resposta da Agropalma S.A. à Agência Pública pode ser lida aqui.
Tomé-Acú
A 94 quilômetros de Acará, a comunidade quilombola Nova Betel, no distrito Quatro Bocas, no município de Tomé-Açu, igualmente reivindica o território quilombola ante as pressões do dendê. Apesar de a comunidade já ter sido certificada pela Fundação Palmares, o processo para reconhecimento do território tramita no Incra desde 2017. A primeira visita de vistoria do órgão federal na área deve ocorrer só agora, cinco anos depois, na segunda semana de agosto.
Com base na análise de sobreposição do território reivindicado pelos quilombolas e do histórico de declaração da Brasil BioFuels no CAR, é possível observar que 75% dos 1.870 hectares dos quais os quilombolas pedem reconhecimento como território tradicional já estão tomados por palmeiras de dendê.
Não são só os quilombolas os afetados pela presença do dendê nos pelo menos últimos 12 anos de plantio ininterrupto em Tomé-Açu. Perto cerca de 25 quilômetros da comunidade Nova Betel, a Terra Indígena (TI) Tembé ocupa 1.075 hectares e também convive com os problemas causados pela palma. O Ministério Público Federal (MPF) tem um inquérito civil aberto para apurar a existência de impactos ambientais sobre a TI Tembé, assim como eventuais ofensas aos seus direitos territoriais.
A resposta da BBF à Agência Pública pode ser lida aqui.
Fonte: Bruna Bronoski, da Agência Pública
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