Por Gisele Coutinho
A ativista indígena Beka Munduruku nasceu em Itaituba, sudoeste paraense, há 20 anos. Foi criada na Aldeia Sawré Muybu, é filha e neta do cacique Juarez Munduruku, sonha estudar Fotografia. Sua aldeia, assim como muitas Terras Indígenas na Amazônia, vem sendo alvo cada vez mais voraz de fazendeiros, madeireiros ilegais e garimpeiros. O Pará Terra Boa conversou com ela sobre a série de ameaças que seu povo vem sofrendo no Pará.
“A gente ocupa o lugar, mas eles são como uma praga, sempre voltam para destruir. O foco deles é buscar aquilo que interessa sem olhar a destruição que eles estão deixando da floresta, da terra e do rio e principalmente das vidas que dependem disso para sobreviver”.
Enquanto estuda na cidade, trabalha na área que sonha se profissionalizar. Sempre conectada, com a rotina agitada de reuniões, é seguida por milhares de pessoas nas redes sociais. Mas, quando volta para a aldeia, sua única conexão é com seu povo.
Escola na aldeia, só dos Munduruku, já que uma das preocupações do povo é com a educação das novas gerações. A obra que seria feita pela Prefeitura de Itaituba está estacionada.
“Temos vários professores indígenas dentro da aldeia. No início de junho foram formados 70 professores indígenas. A escola não está acabada por conta de o prefeito retirar recursos. Então falta muito para acabar a escola. Enquanto isso, os alunos estudam na escola feita pela comunidade”.
O prefeito de Itaituba é o controverso Valmir Climaco, que fez a seguinte declaração ao jornal “O Liberal”, em 6/06, quando questionado sobre um iate de luxo de três andares:
“Eu sou um homem que quando entrou na política, já tinha os meus aviões, fazendas, imóveis… Hoje tenho 15 mil cabeças de gado, dois postos de combustíveis… Esse iate peguei numa troca de um dos portos em Miritituba, que vendi para a Bertolini”.
Na declaração de bens do então candidato Valmir Climaco, que está disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral, consta um avião Cessna no valor de R$ 250 mil, mas não constam fazendas, gado, postos de combustíveis, nem os portos em Miritituba.
Nova geração contra a guerra
Beka é exemplo de resistência de uma juventude ativista que o Brasil precisa proteger e fortalecer tanto para manter a floresta em pé quanto para preservar a vida de quem vive nas aldeias. A 36ª edição do relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), por exemplo, aponta que o Estado do Pará liderou o ranking nacional de conflitos por terra em 2021, com 156 casos contra trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais. Realidade que até pouco tempo passava longe dos pensamentos de uma Beka Munduruku criança.
“Meu pai, que é meu avô, sempre lutou para manter o território e eu não entendia, criança, que essa luta era para manter o rio, a floresta em pé, e hoje eu entrei nessa luta. Eu era uma criança normal da aldeia que vivia, boiando, nadando, brincando na floresta com as amigas, pescando e caçando, um passado feliz sem saber o que estava acontecendo. Quando comecei essa luta com 12 anos, foi uma luta com mais ameaças dentro do território, um nível de garimpo dentro do território muito grande, e entrei fazendo parte dessa luta, praticamente uma guerra”.
Podcast guiado por Beka
A guerra retratada por ela pela sobrevivência do seu povo está ganhando o mundo com o podcast “Amazônia Invisível, uma história real”, lançado neste mês de junho e produzido pela Storytel Brasil, em parceria com o Estadão Conteúdo. A série contará com dez episódios sobre a Amazônia brasileira, guiados pelo olhar de Beka Munduruku e pelos povos que habitam a floresta. Foi ela quem acompanhou a equipe de jornalistas durante três semanas pelo sudoeste do Pará, rodando mais de 3 mil quilômetros.
A realidade por debaixo das copas das árvores é cruel, mas Beka se orgulha de ter se tornado uma porta-voz de sua comunidade.
“Sempre foi meu pai a minha grande inspiração, ele me manteve no território, cuidou de mim para eu aprender sobre a aldeia para depois ir para a cidade. Hoje em dia com certeza eu sou uma jovem porta-voz do meu povo e fico muito feliz por levar essa história de resistência do meu povo para fora. Dentro da aldeia ouvimos histórias do passado, dos nossos ancestrais, nossos cânticos e pinturas. Fora da aldeia, temos a realidade recente, a base, que são ameaças, desmatamento, roubo de madeira, contaminação dos rios e dos peixes. As crianças não podem se banhar nos rios por conta dessa contaminação.”
Vidas perdidas
Um dos reflexos dessa guerra dos povos indígenas é contra a contaminação das águas provocada pelo mercúrio usado pelo garimpo ilegal no Pará. A substância tóxica já provocou mudanças drásticas no modo de vida da população indígena na região. Segundo estudo publicado pela Fiocruz, nas crianças, o mercúrio causa problemas motores e na fala. Nos bebês de até 12 meses, anemia. No feto, além da má-formação, danos aos rins e problemas no Quociente de Inteligência (QI) de forma irreversível. Nos adolescentes, variações genéticas e alterações neurológicas. Quando o estudo foi publicado, o Pará Terra Boa ouviu o avô de Beka sobre o assunto em matéria que pode ser lida aqui.
“Com o avanço do garimpo, quem está mais contaminado são as mulheres grávidas e isso afeta muito na gestação. Essa é uma preocupação para nosso povo, pois são vidas que estão sendo perdidas, são vidas levadas por conta do ouro”.
Beka faz um desabafo que muitos brasileiros fazem quando autoridades, sejam municipais, estaduais ou federais, se calam diante das dezenas de abusos contra os povos indígenas praticados por garimpeiros, madeireiros e grileiros, em plena luz do dia, sob a mira de satélites, como foi o recente caso do assassinato de dois ativistas ambientais no Vale do Javari (AM).
“Às vezes fico pensando: será que tudo que estou fazendo não está valendo a pena? Por que essas pessoas não enxergam? Por que eles não vêem o que estamos fazendo? São tantas denúncias contra o garimpo e parece que nada está adiantando. Então isso deixa a gente bem triste, mesmo, ver os jovens envolvidos com garimpo”.
Mas o povo Munduruku não nasceu ontem. Estão neste mundo muito antes de o Pará ser habitado por europeus e migrantes brasileiros vindos de vários Estados. A luta faz parte do DNA dos Munduruku.
“A característica do meu povo é ser unido e sempre resistente. Sempre vencemos nossas guerras. A guerra de agora é contra esse governo. O povo Munduruku é considerado formiga vermelha por estar sempre unido e lutar juntos para vencer qualquer batalha”.
Leia mais
Conheça o cabra do garimpo que colocou Itaituba na boca do povo
Justiça Federal cancela garimpo de mil hectares em área de preservação em Itaituba