O projeto da mineradora canadense Belo Sun, que inclui instalar uma mina de ouro a céu aberto na região da Volta Grande do Xingu, no Pará, vai ser julgado nesta segunda-feira, 25/04, na 6ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília. Dois processos do Ministério Público Federal (MPF) serão apreciados no julgamento na segunda instância.
Um deles trata da consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades atingidos pela mina e o outro trata da necessidade do licenciamento ser realizado na esfera federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e não na esfera estadual, pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), como vinha ocorrendo.
Uma década
Na 1ª instância, a Justiça Federal em Altamira deu ganho de causa para o MPF nos dois processos. O que vai ser julgado no TRF-1 são recursos tanto do MPF quanto da mineradora. Os julgamentos podem concluir uma batalha judicial de quase uma década, em que o projeto canadense da Belo Sun teve liminares, sentenças e um acórdão de mérito, todos desfavoráveis. A empresa foi obrigada, pelo próprio TRF-1, em acórdão de 2017, a realizar a consulta prévia às comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu. Agora, a empresa alegou que a consulta foi realizada e a decisão do Tribunal obedecida.
Não cumpriu
O MPF entende que a decisão do TRF-1 não foi cumprida e, pelo contrário, princípios que devem ser seguidos em consultas prévias, previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que rege o tema, foram violados no processo conduzido pela mineradora. No caso dos povos indígenas Arara e Juruna Yudjá, que vivem nas terras indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande, as reuniões relativas a consulta foram conduzidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o que não é permitido pela Convenção 169. Para o MPF, a Funai não tem competência para realizar esse tipo de consulta e quem deveria conduzi-lo era o órgão licenciador, no caso o Ibama.
Além disso, para ser considerada prévia, uma consulta desse tipo deveria ser feita antes da emissão da Licença Prévia do empreendimento, o que não ocorreu. A licença deveria ter sido anulada para que se fizesse a discussão sobre o projeto, mas não foi e a mineradora pretende avançar, com a pretensa consulta que fez, para a fase seguinte do licenciamento ambiental, a da Licença de Instalação.
Sem consulta
O acórdão do TRF-1 também exigia que fossem realizadas consultas a todos os indígenas afetados. A Volta Grande do Xingu, além de abrigar as duas terras indígenas já homologadas dos povos Juruna Yudjá e Arara, também abriga diversas comunidades chamadas desaldeadas, o que significa que seus territórios ainda não foram reconhecidos pelo Estado brasileiro. Mesmo assim, deveriam ter sido consultadas, pela decisão unânime do Tribunal.
É o caso da comunidade de São Francisco, que fica a apenas 600 metros de distância de onde a Belo Sun pretende instalar sua mina, mas não teve o direito a consulta respeitado. Comunidades mais distantes, mas também indígenas, como a da Ilha da Fazenda e as da Cachoeira do Jericoá, também deixaram de ser consultadas. A decisão do TRF-1 de 2017 ordenava que fosse realizado estudo de impactos sobre esses indígenas, o que também não foi apresentado.
Quem licencia?
O segundo processo a ser julgado, que trata da competência para o licenciamento ambiental do projeto Belo Sun, teve sentença favorável ao MPF na Justiça Federal em Altamira, que ordenou a federalização do licenciamento, porque a competência no caso é do Ibama e não da Semas do Pará. A legislação ambiental que separa as competências para licenciar determina que obras e empreendimentos que atinjam povos indígenas, rios federais ou que possam causar impactos regionais graves devem ser licenciados pelo órgão federal e não pelos estaduais.
A jurisprudência do próprio TRF-1, argumenta o MPF, é cristalina ao afirmar que obras e projetos de exploração que afetem terras indígenas exigem o licenciamento federal. “O TRF-1 já enfrentou o tema dezenas de vezes, inclusive no caso da própria UHE Belo Monte. Em nenhum caso a obra se situava no perímetro de terra indígena, como aqui. Ficou assentado que, se a obra afeta terra indígena, o licenciamento é federal”, diz o parecer enviado aos desembargadores para o julgamento nesta segunda-feira, 25/04.
Perigo
No caso de Belo Sun, há uma questão que torna o licenciamento ainda mais sensível: a obra atingiria a Volta Grande do Xingu, a mesma área que concentra os mais graves impactos de outro grande empreendimento, o da usina hidrelétrica de Belo Monte.
“Além de atingir rio federal e comunidades indígenas, há relação do empreendimento com a UHE Belo Monte. A própria FUNAI constatou que “a realização de um empreendimento desse porte (…) tende a potencializar os impactos desta UHE. É preciso atentar para a dinâmica do contexto social e da vulnerabilidade das Terras Indígenas. É necessária uma análise da sobreposição de impactos que afetem os indígenas da região da Volta Grande”, diz o parecer do MPF. Em 2020, sem explicação, a Funai mudou de posição e deixou de apoiar a federalização.
Fonte: Ministério Público Federal
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