Como é possível identificar com os olhos que a terra há de comer, as mulheres desempenham um papel fundamental na agricultura familiar. Em Santarém, elas estão bastante presentes também na pesca artesanal, o que pouca gente sabe.
Só que o chamado “progresso”, nessa região estratégica do Pará, traz a reboque degradação ambiental e econômica para os moradores locais. Entretanto, pelo fato de a agricultura familiar e a pesca artesanal oferecerem baixo impacto ao meio ambiente, contribuindo com o equilíbrio do ecossistema, é preciso saber quem são essas guardiãs das águas e da floresta.
Foi o que fizeram os pesquisadores Wandicleia Lopes de Sousa, Elizabete de Matos Serrão e Thiago Almeida Vieira em um estudo que acaba de ser publicado neste mês de outubro pela revista “Novos Cadernos” (Edição Maio-Agosto), do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará. Os dados foram coletados em 2018. O índice de mulheres na pesca artesanal chega a 40%, apesar de ainda ocorrer a invisibilidade do trabalho da mulher nas atividades produtivas.
O trio acadêmico escolheu bairros localizados às margens do lago Maicá para realizar a pesquisa, pois trata-se de um ecossistema composto por ilhas e uma parte de terra firme, que sofrem pequenas inundações decorrentes da cheia dos igarapés lá existentes. São diversos habitats com condições adequadas para o crescimento de diversas espécies de peixes migradores e sedentários de interesse econômico. A riqueza incalculável, que é objeto de desejo do capital especulativo, conta com répteis, aves e flora de plantas aquáticas bem típicas da região amazônica.
A mudança de paisagem da região decorrente dos investimentos nos últimos anos pode ser notada pela ocorrência de mais erosão dos solos, contaminação de cursos d’água, destruição de habitats naturais e migrações, que acabam por gerar várias desapropriações.
Vamos então saber quem são essas pescadoras artesanais e agricultoras familiares que residem e exercem suas atividades produtivas na região do lago Maicá, em Santarém:
FAIXA ETÁRIA
- As pescadoras artesanais possuem idade média de 48,4 anos, variando de 27 a 57 anos. Do universo total, 54,55% encontram-se na faixa etária entre 51 e 60 anos. Entre as pesquisadas não foi identificada nenhuma pescadora na faixa etária de 31 a 40 anos.
- Quanto às agricultoras familiares, a média encontrada foi de 46,3 anos, com variação de 40 a 55 anos. Do universo total 42,86% estão na faixa de idade entre 41 e 50 anos, não foi encontrada nenhuma agricultora na faixa etária entre 20 e 30 anos.
ESTADO CIVIL
- Quanto ao estado civil, percebeu-se que, entre as pescadoras artesanais, a maioria (55%) vive em união estável, apenas 9% são casadas no civil e 36% são solteiras.
- Já as agricultoras familiares, 43% declaram ser casadas no civil e o restante vive em união estável (29%) ou são solteiras (28%). Entre as entrevistadas não se identificaram viúvas ou que vivessem em união homoafetiva.
ORIGEM
- Do total geral das participantes, todas são oriundas do Estado do Pará. Dentre as pescadoras artesanais, existe uma variação entre o local de origem, ao passo que 55% nasceram em comunidades rurais da cidade de Santarém, 18% no município de Monte Alegre, 18% em Alenquer e 9% são de Aveiro, todos na região oeste do Pará. Tais dados se diferem das agricultoras familiares, onde todas nasceram em comunidades rurais de Santarém.
RELIGIÃO
- a religião católica congrega a maioria (81,8% pescadoras artesanais e 71,4% agricultoras familiares), seguida pela evangélica (18,2% pescadoras artesanais e 28,6% agricultoras familiares).
ESCOLARIDADE
- A grande maioria declarou ter apenas o ensino fundamental incompleto, o que entre as pescadoras artesanais representa 90,9% e 71,4% entre as agricultoras familiares. Apesar disso, não foram identificadas participantes analfabetas.
- Essa realidade do lago Maicá é mais favorável que a de analfabetismo do Pará, para pessoas acima de 60 anos (4,5% de analfabetos) e para mulheres de áreas urbanas e rurais do Estado que ainda são 5,5% de analfabetas (IBGE, 2018).
RENDA FAMILIAR
- A renda familiar das pescadoras artesanais variou de R$ 300 a R$ 2.637, com uma média de R$ 1.124,50.
- É relevante destacar que 45% das pescadoras artesanais sobrevivem com menos de um salário-mínimo (época da coleta R$ 954).
- A média de pessoas dependentes dessa renda aproxima-se de quatro indivíduos, com o mínimo de três e o máximo de seis dependentes.
- Entre as pescadoras artesanais, 9% delas não possuem dependentes da sua renda familiar.
- A maioria das pescadoras artesanais (55%) não exerce nenhuma atividade complementar, sendo a pesca o único meio de garantir a sobrevivência de sua família, pois 27% cultivam produtos da agricultura ou criam pequenos animais para o autoconsumo, e 9% desenvolvem atividades como costura. O mesmo percentual (9%) afirmou realizar serviços de diaristas para ajudar na complementação da renda. Todas as pescadoras artesanais afirmaram que desenvolvem a atividade da pesca há mais de 10 anos.
- Em referência às agricultoras familiares, a renda familiar foi de no mínimo R$ 700 e no máximo R$ 3.156, com média de R$ 1.800,30.
- Destaca-se que 14% sobrevivem com menos de um salário-mínimo.
- A média de dependentes dessa renda aproxima-se de 2,4 pessoas, com o mínimo de um e o máximo de cinco dependentes. Além disso, 29% das agricultoras não possuem nenhum dependente da sua renda familiar.
- 14% das agricultoras declararam que desenvolvem atividade como diarista na região urbana de Santarém, a mesma porcentagem (14%) afirmou que faz e comercializa produtos de crochê, bem como declararam que realizam venda de cosméticos (14%) como atividades que ajudam na complementação da renda familiar. Todas as entrevistadas afirmaram que desenvolvem a atividade de agricultura há mais de 10 anos.
- Entre as pescadoras artesanais, 73% possuem ajuda na renda familiar. Dessas, 64% contam com ajuda de uma pessoa, geralmente o cônjuge, e 9%, com duas pessoas que correspondem ao cônjuge e um filho.
- No que se refere às agricultoras familiares, 71,4% têm ajuda na composição da renda familiar. Destaca-se desse percentual que 57,1% contam com a ajuda de um membro da família, na maioria dos casos é o cônjuge, e 14,3% têm ajuda de dois membros da família, o cônjuge e um filho.
- Do total das pescadoras artesanais, 63,6% recebem o benefício, e, das agricultoras familiares, apenas 42,8% são beneficiárias do programa.
“Este estudo auxilia na discussão de políticas públicas que ajudem a mitigar as dificuldades enfrentadas no cotidiano dessas mulheres e suas famílias. Serve ainda de aporte teórico para a temática pesquisada, para entidades sindicais e participantes da pesquisa, visando fornecer subsídios ao debate sobre modelos de desenvolvimento que garantam a sobrevivência dessas mulheres em suas unidades familiares, sobretudo em ambientes e ecossistemas frágeis, como o caso da várzea”, concluem os autores do estudo.
Fonte: NAEA/UFPA