Pelo menos 32 milhões de meninos e meninas no Brasil vivem na pobreza. O número representa 63% do total de crianças e adolescentes no País e abarca a pobreza em diversas dimensões: renda, alimentação, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação. É o que indica a pesquisa “As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil”, divulgada na terça-feira, 14, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
No Pará, o índice é ainda mais assustador: de cada 100 crianças e adolescentes, 93 vivem na pobreza. O estudo indica ainda a falta de acesso a saneamento como a dimensão que mais afeta crianças e adolescentes paraenses, impactando 85% de meninas e meninos, seguida pela privação de renda (58%) e acesso à informação (23%). Em seguida vem falta de acesso à água (17,2%), moradia (16,9%), privação de educação (14,2%) e trabalho infantil (5%).
“Neste momento em que presidente, vice-presidente, ministros, governadores, senadores e deputados iniciam novos mandatos, o Unicef alerta para a urgência de priorizar políticas públicas com recursos suficientes voltadas a crianças e adolescentes no país. A pobreza multidimensional impactou mais quem já vivia em situação mais vulnerável – negros e indígenas e moradores das regiões Norte e Nordeste -, agravando as desigualdades no país. Entre crianças e adolescentes negros e indígenas, 72,5% estavam na pobreza multidimensional em 2019”, afirma a entidade.
Renda
Até 2019, a privação de renda se mantinha relativamente estável no Brasil, com mais de 20 milhões de meninas e meninos vivendo abaixo de um nível mínimo de renda para satisfazer suas necessidades.
Em 2020, com o Auxílio Emergencial, houve uma melhora no percentual de crianças e adolescentes vivendo na extrema pobreza (renda familiar inferior a 1,9 dólar por dia). Esse cenário, no entanto, não se manteve em 2021. O percentual de crianças e adolescentes vivendo na extrema pobreza, e também na pobreza (renda familiar de menos de 5 dólares por dia), alcançou o maior nível em relação aos anos anteriores: 16,1% e 26,2%, respectivamente.
Alimentação
Na última década, o número de crianças e adolescentes que viviam em domicílios cuja renda familiar era insuficiente para alimentação vinha sendo reduzido. A pandemia, no entanto, reverteu essa tendência de melhora, alterando bastante o cenário.
Entre 2020 e 2021, o número de crianças e adolescentes privados de renda familiar necessária para uma alimentação adequada passou de 9,8 milhões para 13,7 milhões. Um aumento de 3,9 milhões. Os percentuais de privação subiram tanto para negros e indígenas quanto para brancos e amarelos. O aumento, no entanto, foi maior para o primeiro grupo (31,2%% ante 17,8%), aprofundando a desigualdade.
Educação
Em 2019, mais de 4 milhões de crianças e adolescentes apresentavam alguma privação no direito à educação no Brasil – frequentavam a escola com atraso escolar ou sem estar alfabetizados, ou estavam fora da escola.
Se, antes da pandemia, o País vinha apresentando pequenas melhorias no acesso a esse direito, com a pandemia, o cenário se inverteu. Houve piora em diferentes indicadores, em especial a alfabetização. Em 2022, o percentual de crianças privadas do direito à alfabetização dobrou em relação a 2020, passando de 1,9% para 3,8%. A privação de alfabetização impacta diretamente a aprendizagem e a trajetória escolar dos(as) estudantes, afetando principalmente crianças e adolescentes negros e indígenas, das regiões Norte e Nordeste e meninos.
Saneamento
A falta de acesso ao saneamento – banheiro e rede de esgoto – é uma das privações que mais impactam crianças e adolescentes no Brasil. Segundo os dados da Pnad Contínua 2020 (últimos disponíveis para esse tema), quatro em cada dez meninas e meninos estavam privados desse direito.
Há quase o dobro de crianças e adolescentes negros e indígenas privados do direito ao saneamento no Brasil, em comparação com brancos e amarelos – 47% e 29,7%, respectivamente. O problema é mais grave nas regiões Norte e Nordeste, em que há estados com mais de 80% das crianças e dos adolescentes privados de saneamento.
Água
De modo geral, os percentuais de meninos e meninas privados do acesso a água segura se mantiveram estáveis nos últimos anos. Houve, apenas, uma melhora em 2020 em relação ao cenário mais extremo dessa privação de direito. Com isso, o percentual de crianças e adolescentes que habitavam um domicílio que não recebia água canalizada caiu de 4,6%, em 2017, para 3,5%, em 2020. Já os percentuais de quem recebia água, mas de fonte insegura, ou tinha água apenas na parte externa da casa, se manteve estável.
Moradia
Aproximadamente um em cada dez crianças e adolescentes vive em moradia inadequada no Brasil – viver em uma casa com quatro pessoas por dormitório, ou cujas paredes são de material inadequado, como madeira aproveitada. Os dados mais recentes disponíveis são de 2020. O problema se concentra no Norte do País, com três estados apresentando indicadores de moradia inadequada superiores a 20% – Amazonas, Amapá e Roraima. E está presente de forma mais acentuada, também, em grandes conglomerados urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, que, apesar dos altos níveis de desenvolvimento socioeconômico, têm mais de 10% das crianças e dos adolescentes vivendo em moradias inadequadas.
Informação
O acesso à internet e à televisão, especialmente o primeiro, apresentou uma melhora estatisticamente significativa nos últimos anos. De 2017 a 2020, o percentual de crianças e adolescentes que acessou a internet em casa no ano anterior à realização da pesquisa (Pnad-C) passou de 67,9% para 86,6%.
Os resultados mostram, no entanto, que o acesso a essas tecnologias é ainda muito desigual no País. O percentual de negros e indígenas privados desse direito é quase o dobro em comparação com brancos e amarelos, em todos os anos. A disparidade regional também é grande, com percentuais de privação abaixo de 5% no Sul e Sudeste, e ultrapassando 20% em alguns estados do Norte e Nordeste.
Trabalho infantil
Os últimos dados disponíveis sobre trabalho infantil na Pnad Contínua são de 2019. Naquele ano, mais de 2 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no Brasil – excluindo-se aqui meninas e meninos exercendo função de aprendiz, prevista em lei. Entre 2017 e 2019, não houve melhorias significativas nessa área.
Veja a pesquisa completa aqui.