Em ano de Jogos Olímpicos, vale a pena lembrar do papel histórico de um filho do Pará. Seu feito se deu há mais de cem anos, num distante 3 de agosto de 1920 – ano em que o Brasil estreou na Olimpíada. Naquele dia, Guilherme Paraense venceu a prova de pistola rápida na prova de desempate individual. E conquistou a primeira medalha de ouro olímpica da história do Brasil.
Foi realmente um feito histórico, dada as dificuldades daquela época – a começar pela viagem até Antuérpia, da Bélgica, onde os jogos foram realizados. O transporte aéreo não estava popularizado. Para cruzar o Atlântico, usavam-se navios. E foi a bordo do Curvelo que a delegação brasileira partiu para a Europa no dia 1º de julho de 1920. Só que o Curvelo não era um navio adequado ao transporte de passageiros. Tratava-se de um navio de 3ª classe, sem o mínimo conforto, com camarotes mais parecendo cubículos, sem ar, sem mobiliário e sem água. Diante disso, os atletas pediram ao comandante para dormir no bar, que era mais amplo e mais arejado do que os camarotes. O comandante concordou, porém, com a condição de que só poderiam utilizá-lo como dormitório após a saída do último freguês do bar. E foi assim que nossos pioneiros atletas seguiram viagem: dormindo no chão, enrolados em cobertores.
A equipe de tiro, à qual pertencia Guilherme Paraense, enfrentou ainda mais problemas. Quando o navio chegou à Ilha da Madeira, eles descobriram que o navio só aportaria em Antuérpia em 5 de agosto, sendo que as provas começariam em 22 de julho. Para driblar o atraso, desembarcaram na parada seguinte, em Lisboa, e seguiram por trem – novamente, sem qualquer conforto, em vagões abertos, expostos ao vento, ao sol e à chuva.
Ao chegarem à Antuérpia, duas surpresas: primeiro, um assalto, no qual perderam as munições e parte das armas que usariam na competição; depois, a descoberta que as provas de tiro seriam disputadas a 18 quilômetros da cidade, no Campo de Beverloo, área destinada às manobras do exército belga. E foi assim, sem dormir, mal alimentados e debilitados, que chegaram ao campo de provas.
A inferioridade da única arma que restou à equipe brasileira era tão gritante que a equipe norte-americana emprestou duas Colt para as disputas – um ato de generosidade, que expressa o verdadeiro espirito olímpico e que foi decisivo para o bom resultado da equipe. Há controvérsia se Guilherme teria usado uma delas. Sua neta, Valéria, relata que ele competiu com arma própria. Mas esse detalhe não faz diferença para o feito olímpico deste grande filho do Pará.
A notícia da conquista das medalhas chegou ao Brasil via telegrama e ganhou as manchetes dos jornais da época. Com isso, o retorno da equipe foi em um navio bem mais confortável e a recepção, no Rio de Janeiro, reuniu multidões.
Quem foi Guilherme Paraense
Natural de Belém, Guilherme Paraense nasceu em 25 de junho de 1884. Aos 5 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a frequentar a Escola Militar, onde a prática de tiro era exigida. Destacando-se no esporte, Paraense sagrou-se campeão brasileiro e sul-americano já no final da década de 1910. Em 1914, junto a um grupo de atiradores, fundou o Revólver Clube, no Rio de Janeiro, destinado a dar maior atenção à prática do tiro esportivo. Além do ouro olímpico, Paraense colecionou diversos títulos, entre eles seis Brasileiros (1913, 1914, 1915, 1918, 1922 e 1927) e o Sul-americano de 1922.
No início da década de 1930, abandonou o esporte e, consequentemente, abdicou das edições seguintes dos Jogos Olímpicos. Participou da Revolução de 1930 e, em 1941, chegou ao posto de tenente-coronel, transferindo-se em seguida para a reserva.
Guilherme Paraense morreu em 18 de abril de 1968, aos 83 anos, vítima de infarto. Vinte e um anos depois, foi homenageado pelo Exército Brasileiro, que batizou o conjunto de estandes de tiro da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende (RJ), com o nome “Polígono de Tiro Tenente Guilherme Paraense”. O local abriga anualmente uma competição que também recebe seu nome.
Fontes – brasil2016.gov.br e cob.org.br