Para quase qualquer mal, Chica, de 60 anos, sugere xarope de turu: a pessoa toma e volta a tomar gosto pela vida, diz. “Vai saindo cada ‘pataca’ que você nem acredita”, diz a agricultora, nascida e criada na Reserva Extrativista (Resex) Mestre Lucindo, em Marapanim (PA), na região de Salgado.
“Turu” é um molusco colhido de dentro da madeira das árvores caídas nos manguezais do Pará. Apesar da aparência controversa gastronomicamente, lembrando minhoca aos olhos dos desentendidos, é alimento riquíssimo em proteína e considerado uma iguaria – tanto pelos nativos, quanto pelos gourmets de fora.
“Vira um remédio de sabedoria demais preciosa, passada de geração pra geração. Não tem preço que pague. Serve pra doença do corpo e da alma”, graceja sobre a receita.
No universo amazônico, as tradições se atualizam à medida em que são transmitidas no seio das famílias atendidas por um projeto de resgate dos saberes tradicionais desenvolvido pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater). A proposta também reforça os valores culturais e a segurança alimentar.
O projeto foi colocado em prática no Sítio Bom Sossego, na comunidade Pau D’Arco, na Resex Mestre Lucindo, em Marapanim: são 100 hectares, com diversificação de atividades, sobretudo fruticultura, extrativismo de bacuri, roça de mandioca e criação de pato.
Chica, de nome de batismo Francisca Carvalho, casada com José Luiz Paiva, de 65 anos, mais conhecido como Zé, atendidos pela Emater há seis anos, vêm passando o bastão para os netos: Franckly, 19, e Fred Luiz, 20.
“Agora é sucessão, é hora deles”, diz o casal, já em trâmite de aposentadoria rural, com o apoio da Emater, segundo informa a instituição nesta quinta-feira, 16/12.
Piscicultura
Uma das ideias, também com a ajuda da Emater, é a piscicultura em tanque escavado, ainda em fase experimental.
Três tanques de tambaqui e tilápia, de 150 m³ cada, foram construídos há cinco meses, com recursos próprios. Os cerca de três mil alevinos foram doados pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca (Sedap).
O objetivo é despescar antes da Semana Santa, cobrindo um déficit de mercado provocado pela entressafra no município.
“Estimamos que o custo individual de construção do tanque não ultrapasse os R$ 650 e que a manutenção não exija nem grande gasto, nem trabalho braçal significativo. A previsão de lucro é de pelo menos 50%. Ou seja: é, sim, uma consideração muito interessante para a agricultura familiar de Marapanim”, resume o chefe do escritório local, o engenheiro agrônomo Wilson Rodrigues.
Andamento
Chica conta que, do mesmo jeito que várias outras famílias de Marapanim, município banhado pelo Oceano Atlântico, entre uma infinidade de rios, a dela também tem um histórico de pescadora.
“Só que os peixes foram fugindo e hoje a gente tem até medo de não achar peixe suficiente pra comer, o que dirá pra vender”, comenta.
A criação de peixe em cativeiro é uma garantia de comida saudável na mesa, além de complemento de renda. “Então veio o projeto, criar desse jeito, tudo pra gente é maravilhoso”, afirma.
Para Rodrigues, é o ponto de partida. “Esperamos que o projeto da Emater e a tecnologia empregada seja exemplo e inspire e interesse outros agricultores da região”, conta.
O plano mais imediato é um Dia de Campo no primeiro semestre do ano que vem, para divulgação e mobilização. Uma segunda etapa será a intermediação de crédito rural do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Paraíso
A Reserva Extrativista Marinha Mestre Lucindo foi criada no município de Marapanim (PA), com aproximadamente 26 mil hectares, com o objetivo de garantir a conservação da biodiversidade dos ecossistemas de manguezais, restingas, dunas, várzeas, campos alagados, rios, estuários e ilhas e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais e proteger os meios de vida e a cultura das comunidades tradicionais extrativistas da região.
Fonte: Aline Miranda para Emater/PA