O paraense tem vários motivos para se orgulhar de sua terra. O santareno, especificamente, ainda mais porque Santarém é apontada como a cidade mais antiga do Brasil por arqueólogos que pesquisam há décadas a região. O professor Eduardo Góes Neves, arqueólogo da Universidade de São Paulo (USP), é um deles. Seu trabalho publicado no ano de 2015 sustenta que Santarém tem pelo menos mil anos.
Mas e São Paulo? E São Vicente (SP)? Bom, na história das Américas, é comum que cidades tenham, por assim dizer, data de nascimento, como ocorre com essas duas cidades. Contudo, em outras partes do continente, cidades já eram espaços sociais importantes antes dos europeus chegarem, que não foram oficialmente fundadas, mas adquiriram tamanho e importância ao longo dos tempos.
Santarém se enquadra nesse grupo de povoações com profundas raízes pré-colombianas: as evidências de ocupação humana na foz do Rio Tapajós com o Amazonas remontam a cerca de 7 mil anos, e a área urbana atual tem sido ocupada continuamente há pouco mais de mil anos, desde o século 10. Do ponto de vista da arqueologia, portanto, Santarém pode ser considerada a cidade mais antiga do Brasil.
“Precisamos olhar sob duas perspectivas. A primeira coisa é que a área arqueológica é compatível com a definição de uma cidade, ou seja, indica presença humana e formação de sociedades. A segunda é de que existe uma diferença fundamental entre cidades do velho mundo e do novo mundo. As do novo mundo têm data de fundação, como tem Santarém também (22 de junho de 1661), porém, há registros de 1542 apontando presença indígena, ou seja, 120 anos antes. Já as do velho mundo não têm uma data,”, explicou o arqueólogo em evento da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
Que registro de 1542 é esse?
No ano de 1542, após uma longa e cansativa viagem que havia se iniciado meses antes no alto da Cordilheira dos Andes, um bando de aventureiros espanhóis – esfomeados, maltrapilhos e enfermos – viajava pelo Amazonas em dois pequenos bergantins, embarcações movidas a vela e remo, por eles construídos às margens de um afluente do grande rio.
Em 24 de junho, os espanhóis, chefiados por Francisco de Orellana, entraram em uma região que logo denominaram “Província de São João”, em homenagem ao santo que aniversariava naquele dia. Em vez de festas e rojões, os estrangeiros foram recebidos a flechadas. Uma delas atingiu o olho do cronista da expedição, o frei Gaspar de Carvajal. Mesmo ferido, Carvajal pôde notar que, naquela província, na margem sul do rio, havia “cidades muito grandes” em “uma terra tão boa e fértil e tão natural” como a própria Espanha. Graças à diligência de Carvajal, que manteve ativa sua pena em meio aos contratempos da jornada, a expedição de Orellana foi a primeira a nos legar uma descrição escrita da Amazônia e dos seus povos.
E antes de 1542?
Uma saga ainda mais antiga de ocupação da região, contudo, se iniciou 100 quilômetros a leste de Santarém, em uma zona de várzea do Rio Amazonas. Ali, na Caverna da Pedra Pintada, no município de Monte Alegre, a arqueóloga americana Anna Roosevelt encontrou, nos anos 1980, pinturas rupestres que evidenciam ocupação há estimados 11 mil anos – alguns dos sinais humanos mais antigos de toda a América do Sul. A área é a única, fora da Cordilheira dos Andes, em que uma cadeia de montanhas chega às margens do grande rio.
Taperinha
Em uma fazenda não muito distante da área urbana de Santarém, jovem geólogo canadense, Charles Frederick Hartt, que viria a ser um pioneiro da arqueologia brasileira, encontrou as cerâmicas mais antigas já identificadas no continente. A sede da propriedade onde fica o sítio arqueológico de Taperinha é hoje um casarão centenário, construído pelo barão de Santarém em um local próximo à várzea do Amazonas.
Após a morte do barão, a propriedade foi abandonada até ser adquirida, em 1911, por Gottfried Hagmann, um naturalista suíço que, em 1900, veio ao Brasil para trabalhar em parceria com seu compatriota Emilio Goeldi, no Museu Paraense, em Belém (hoje, o consagrado Museu Paraense Emilio Goeldi). A fazenda ainda pertence aos descendentes de Hagmann.
Atenção a seu quintal
Qualquer santareno, cavando no quintal de sua casa, encontra enterrados cacos de cerâmica e objetos de pedra que foram produzidos pelos ancestrais habitantes do lugar. É por isso que ali, mais que em qualquer outra cidade brasileira, o patrimônio arqueológico tem significado especial aos moradores – eles vivem sobre um sítio com muito ainda a ser explorado.
Escavações feitas na área urbana por Denise Gomes, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostram que as evidências diretas mais antigas de ocupação do local remontam a 1 200 a.C. São cerâmicas elaboradas, decoradas por motivos antropomorfos e zoomorfos e pintadas em diferentes cores (amarelo, vermelho e vinho), conhecidas como pocó. Sítios com peças assemelhadas são encontrados em uma ampla área, que inclui a região do Rio Trombetas, o entorno das cidades de Manaus e Tefé, no Amazonas, a Cachoeira de La Pedrera, na Amazônia colombiana, e as margens do Rio Branco, em Roraima. Uma característica das ocupações pocó é a associação desses sítios a solos escuros conhecidos como “terras pretas de índio”.
Lição
Assim, a partir de tantos estudos arqueológicos sobre a região de Santarém, a lição que pode ser absorvida é de como o município e o Estado poderiam olhar para a cidade mais antiga do Brasil de outra forma:
- valorizando essa cidade milenar sob a cidade moderna,
- não permitindo que os projetos de infraestrutura tratorem a história dos santarenos;
- extraindo o conhecimento dos povos da floresta que deixaram de legado para o mundo a floresta amazônica tal qual a conhecemos hoje, posto que a Amazônia não nasceu como a vemos na atualidade;
- entendendo o manejo da agricultura por essas civilizações e, quem sabe, atraindo investimentos sustentáveis para o município, dentro do turismo, por exemplo, com esse rótulo simbólico de a mais antiga cidade do Brasil.
Para se ter uma ideia da importâncias dos nossos ancestrais, você sabia que das cerca de 16 mil espécies de árvores da Amazônia, só 227 correspondem à metade do volume total dessa cobertura vegetal, ou seja, 1,4% desse mundo de espécies cobre metade da floresta? Elas são chamadas de hiperdominantes. Entre elas estão o nosso açaí, a paxiuba, a bacaba, mandioca… quer mais?
Fonte: UFOPA
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