Enquanto grande parte do Brasil e do nosso Pará aguarda o desenrolar da votação do Projeto de Lei 191/20, conhecido como PL da Mineração em Terras Indígenas, com previsão de entrar na pauta da Câmara dos Deputados em meados de abril, o Pará Terra Boa resgata nesta segunda-feira, 14/03, o que muitos paraenses já vivenciam, literalmente, na pele, ou melhor, no sangue. Trata-se do impacto do mercúrio usado pelo garimpo na saúde do povo munduruku, nos municípios de Itaituba e Trairão, médio Rio Tapajós.
Um estudo realizado pela Fiocruz em parceria com o WWF-Brasil em dezembro de 2020 indica que todos os participantes da pesquisa estão afetados por este contaminante. De cada dez participantes, seis apresentaram níveis de mercúrio acima de limites seguros: cerca de 57,9% dos participantes apresentaram níveis de mercúrio acima de 6µg.g-1 – que é o limite máximo de segurança estabelecido por agências de saúde.
A contaminação é maior em áreas mais impactadas pelo garimpo, nas aldeias que ficam às margens dos rios afetados. Nessas localidades, nove em cada dez participantes apresentaram alto nível de contaminação. As crianças também são impactadas: cerca de 15,8% delas apresentaram problemas em testes de neurodesenvolvimento.
“Esse projeto foi concebido para atender a um pedido da Associação Indígena Pariri, que representa o povo indígena munduruku, em virtude da elevada devastação do ambiente natural e da contaminação provocada pelo mercúrio no Tapajós e seus afluentes. Os resultados nos mostram que a atividade garimpeira vem promovendo alterações de grande escala no uso do solo nos territórios tradicionais da Amazônia, com impactos socioambientais diretos e indiretos para as populações locais, incluindo prejuízos à segurança alimentar, à economia local, à saúde das pessoas e aos serviços ecossistêmicos”, afirmou o coordenador do estudo e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Paulo Basta.
“Além de impactar a saúde dos rios e florestas, a atividade garimpeira na Bacia do Tapajós impõe aos mundurukus o abandono do seu modo de vida tradicional, já que altera por completo a relação dessa população com os rios, que de fonte de vida passaram a ser a principal fonte de ameaça à reprodução física e cultural deles”, ressaltou Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil.
A análise revelou ainda que os peixes, principal fonte de proteína das comunidades, também estão contaminados. Dados obtidos a partir das entrevistas indicaram que 96% dos participantes ingerem peixes regularmente. Foram capturados 88 exemplares de peixes, pertencentes a 18 espécies distintas: todos estavam contaminados. A partir daí, o estudo descobriu que as doses de ingestão diária de mercúrio estimadas para os participantes, de acordo com cinco espécies de peixes piscívoros amostrados, foram 4 a 18 vezes superiores aos limites seguros preconizados pela Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana (EPA).
As espécies piscívoras, ou seja, que se alimentam de outros peixes, apresentaram os níveis mais altos de contaminação. As maiores médias foram reportadas entre a piranha preta (Serrasalmus rhombeus), ultrapassando em quase quatro vezes o limite máximo permitido (0,5 µg.g-1) para comercialização e consumo de pescado, de acordo com as recomendações da FAO/OMS.
“Os indígenas querem saber o que comer, pois os peixes contaminados estão na nossa mesa e o alimento que temos vem do rio. A presença do garimpo afeta não só a saúde, mas toda a nossa vida social com a chegada das drogas, da violência doméstica e da prostituição. É preocupante, mas precisamos de uma solução. A gente tem que criminalizar e punir as pessoas que contaminam o rio”, cobrou a líder indígena Alessandra Korap Munduruku.
O estudo trouxe também uma série de recomendações, incluindo a interrupção imediata do garimpo em terras indígenas, um plano para descontinuar o uso de mercúrio no garimpo, assim como um plano de manejo de risco para as populações cronicamente expostas ao mercúrio. A coleta de dados ocorreu entre 29 de outubro e 9 de novembro de 2019, com 200 habitantes de três aldeias impactadas pelo garimpo: Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy. O processo incluiu entrevistas, avaliação clínico-laboratorial, coleta de amostras de cabelo e coleta de amostras de peixes para aferição dos níveis de mercúrio.
Fonte: Fiocruz
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