A seca severa vivenciada na Amazônia trouxe à tona evidências de que a região já está sentindo os impactos da guerra climática prevista há vários anos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês). Assim como a queda do nível dos rios, a ocorrência de cheias intensas também tem aumentado e os efeitos desses eventos estariam sendo exacerbados devido ao desmatamento e às queimadas, mostra reportagem da WWF Brasil.
Em meados de 2021, o nível de chuvas registrado foi acima do normal e levaram o Rio Negro a inundar cidades inteiras por meses. Dois anos depois, o mesmo Rio Negro enfrenta uma seca histórica e chegou a marcar 13,59 metros em Manaus, o menor nível desde 1902.
A alternância rápida entre extremos preocupa pesquisadores e ambientalistas que veem um risco de desequilíbrio, acelerando o alcance do chamado ponto de não-retorno, que é quando a floresta perderia a sua capacidade de recuperação natural e de prestar seus serviços ecossistêmicos com a mesma qualidade.
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Jochen Schöngart afirma a estiagem atual tem caractérisirca diferentes das anteriores devido a combinação de fatores climáticos, o que faz com os impactos sejam sentidos em praticamente todo o bioma.
Ele explica que o aquecimento das águas do Oceano Pacífico na costa da América do Sul provocado pelo El Niño do tipo EP (Pacífico Oriental, na sigla em inglês) é responsável pela seca no centro, no norte e no leste da Amazônia, expandindo-se um pouco para o sudeste.
Por outro lado, o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, decorrente das mudanças climáticas, afeta principalmente as regiões sul e sudoeste do bioma.
“A sinergia entre os dois fenômenos intensifica a seca em praticamente toda a região amazônica, aumentando as temperaturas e reduzindo a cobertura de nuvens, resultando em um aquecimento da superfície”, afirma Schöngart.
Ação humana
O cientista lembra que as oscilações são fenômenos naturais, no entanto há indícios de que a ação humana também contribuiu para a intensificação dos danos observados nessa estação, em que ocorre não apenas a seca meteorológica, relacionada à falta de chuvas, mas também a seca hidrológica, que reduziu o nível das águas dos rios.
“Com as emissões de gases de efeito estufa, o cinturão de ventos do Hemisfério Sul migrou mais em direção à Antártica nas últimas décadas, o que provavelmente está relacionado ao buraco na camada de ozônio naquele continente e ao aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Com essa mudança, as águas superficiais do Oceano Índico acabam passando ao redor da África do Sul e invadindo o Oceano Atlântico. Essas águas contribuem com o aquecimento das águas superficiais na região tropical do oceano”, esclarece.
Aliado a isso, o clima também está mais propício à disseminação do fogo. Os aerossóis emitidos pelas queimadas impedem a formação de nuvens em diversas áreas, restringindo as chuvas às regiões de maior altitude ou em quantidade insuficiente para reabastecer os rios.
“Ainda tenho na mente as imagens da região completamente inundada há apenas dois anos e agora vemos tudo seco e em chamas. Não há dúvida de que a situação é grave na Amazônia com esses extremos. Nos últimos 15 anos, tivemos as quatro maiores cheias e as duas maiores secas da história na região central da Amazônia”, lembra Jochen Schöngart.
Para o diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, Edegar de Oliveira, as evidencias científicas revelam que a interferência humana sobre o clima é uma realidade e a Amazônia e sua população estão vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.
“A combinação de mudanças climáticas, El Niño e desmatamento desenfreado contribui para o agravamento e prolongamento da seca, que, por sua vez, leva ao aumento das queimadas, o que tende a exacerbar ainda mais os efeitos da estiagem, afetando o regime de chuvas. Isso impacta não apenas na vida dos povos locais, mas afeta também a economia e a segurança hídrica de outras regiões do país, pois o que acontece na Amazônia interfere nos demais biomas”, frisa Oliveira.