Por Jansen Zuanon, para Sumaúma
Já que estamos na semana da COP da Biodiversidade da ONU, o Pará Terra Boa vai trazer conteúdos produzidos por publicações respeitadas sobre o assunto. O evento ocorre até o dia 19 de dezembro, em Montreal, no Canadá. A seguir, o site Sumaúma apresenta a terceira parte da série ‘Natureza no Planalto’, em que pesquisadores escrevem textos, com função de alerta, ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva:
Eu sou Jansen Zuanon, biólogo especialista em ecologia de peixes amazônicos, e represento aqui o acari-amarelo. Quando jovem, esse peixe chama atenção pelas nadadeiras de borda amarela brilhante e as pintinhas distribuídas pelo corpo.
Ele tem sofrido um verdadeiro extermínio em parte de seu habitat, a região da Volta Grande, no rio Xingu (Pará), onde foi instalada a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Falo também em nome do acari-zebra, um peixe de listras pretas e brancas que só existe nessa mesma região e sofre risco de extinção. Em nome deles e de outros peixes afetados por Belo Monte, peço que o presidente Lula escute os cientistas, as populações indígenas e os ribeirinhos, para que o habitat adequado para esses não humanes continue existindo e para que projetos destruidores como Belo Monte nunca mais sejam feitos na Amazônia.
A construção da hidrelétrica fez que boa parte das corredeiras do rio, onde esses peixes vivem, fosse inundada de forma permanente pelo reservatório da usina. Nessa área, a água passou a correr com mais lentidão, e com isso sedimentos mais finos, que antes seriam levados pela correnteza, agora se acumulam nas pedras, sufocando as algas e os pequenos animais que servem de alimento para os peixes e soterrando as tocas que lhes servem de casa e local de desova.
A menor velocidade da correnteza também fez a temperatura da água aumentar e o oxigênio diminuir, o que causou um mal terrível aos cascudinhos amarelos. Eles estão acostumados com essa água de corredeira, com bastante oxigênio. Sem ela, adoecem. Em vistoria recente na Volta Grande do Xingu, deparei com um cenário terrível: os acaris-amarelinhos estavam morrendo na beira do rio aos montes, com os olhos e a barriga funda, perdendo dentes, repletos de parasitas e com as nadadeiras apodrecendo. É uma morte por agonia e tortura.
Em outra parte do rio, de onde a água é desviada para as turbinas de Belo Monte, a variação imprevisível no nível da água causa danos extremos aos peixes. O quanto corre de água no rio passou a ser determinado pela torneira e pelas prioridades da usina – e não pelos interesses e necessidades das pessoas humanas e não humanas que habitam a Volta Grande do Xingu.
Quando diminui a demanda por eletricidade, a usina solta, de repente, um monte de água. Quando precisa de mais energia, ao contrário, engole uma enormidade de água do rio. Não há ritmo, não há temporalidade, e esses peixes dependem dessas dicas da natureza, já que evoluíram por milênios em um sistema previsível.
O começo da enchente sinaliza para os peixes que é o momento de se reproduzir, e a continuação da subida alaga os igapós onde eles se alimentam e crescem. Mas agora é um alaga e seca, alaga e seca, e os peixes ficam doidos. Seu Sebastião Bezerra Lima, morador da Ilha do Amor e pesquisador participante do Monitoramento Ambiental Territorial Independente da Volta Grande do Xingu, disse que os peixes estão analfabetos de rio, já não sabem mais como reagir. Eles vivem em uma situação de estresse permanente.
A baixa repentina da água também faz que o acari-zebra, muito procurado pelo mercado ilegal de peixes ornamentais, se torne uma presa fácil. Ele não tem para onde correr e acaba sendo capturado. É levado do Xingu para a fronteira com a Colômbia e, depois, contrabandeado para outros países. As curimatãs e os pacus, espécies muito importantes na região, também estão sofrendo muito. A quantidade de peixes tem diminuído e colocado as populações tradicionais humanas da Volta Grande em risco de insegurança alimentar. Falta peixe no prato e nas feiras das cidades da região.
O rio precisa voltar a pulsar como pulsava antes. Reverter completamente os impactos do desvio das águas para a usina, no momento, não parece ser possível, porque isso significaria parar de desviar a água para as turbinas e deixar de gerar energia.
Mas é possível, sim, diminuir os impactos, fazendo que a divisão da água entre a Volta Grande do Xingu e a hidrelétrica permita que os ciclos naturais de enchente e vazante voltem a acontecer no momento certo, pelo tempo necessário, e que a quantidade de água seja suficiente para alagar as piracemas (locais de desova dos peixes) e os igapós onde eles se alimentam. Isso aumenta as chances de que os peixes continuem existindo, se reproduzindo, vivendo. Temos uma proposta clara de como fazer isso, só é preciso que o governo a escute. Lula, converse com os cientistas e com as populações tradicionais da Volta Grande!
Fonte: Sumaúma