Em junho de 2022, o Banco do Brasil aprovou uma política de responsabilidade social, ambiental e climática que deveria proteger a estatal de realizar negócios com quem represente riscos para o meio ambiente. No entanto, desde então, segundo informações da Repórter Brasil, o banco investiu US$ 370 milhões em sete empresas controversas do setor agrícola associadas ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado e à exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão.
Embora o Banco do Brasil afirme que suas operações de crédito contam com cláusulas que permitem a suspensão imediata dos desembolsos em caso de infração socioambiental, documentos obtidos pela reportagem indicam que essas cláusulas podem não ter sido acionadas no caso de um empréstimo concedido ao pecuarista Rogério de Paula Leite, dono de propriedades desmatadas e embargadas no Pará.
Em junho de 2016, o fazendeiro pegou um empréstimo de quase R$ 1 milhão do Banco do Brasil, utilizando uma linha de crédito do BNDES. Embora não se saiba exatamente qual fazenda recebeu o dinheiro, informações indicam que ele possuía apenas uma propriedade registrada no Cadastro Ambiental Rural (CAR) em São Félix do Xingu, que foi embargada desde 2017 por desmatamento ilegal de uma área grande.
Se o dinheiro realmente foi destinado a essa propriedade, a dívida deveria ter sido cobrada imediatamente após o embargo, de acordo com as regras do Manual de Crédito Rural, que proíbe empréstimos para fazendas embargadas e é aplicável a todos os bancos que operam no Brasil. No entanto, segundo o BNDES, o financiamento só foi pago em maio de 2022.
“O BNDES não recebeu qualquer notificação de irregularidades do agente financeiro credenciado [o BB], responsável pela análise, aprovação e acompanhamento do financiamento”, informou o banco de desenvolvimento.
Sem comentários
O Banco do Brasil não quis comentar o caso específico de Leite “em respeito ao sigilo bancário, comercial e empresarial” – e por isso, não foi possível obter a comprovação do número do CAR utilizado para solicitar o empréstimo, informação necessária para comprovar a irregularidade.
De acordo com o Banco do Brasil, desde 2019 ele realiza consultas automáticas a bases geográficas públicas para impedir a contratação de operações em terras indígenas, áreas embargadas e áreas de desmatamento ilegal.
No entanto, parece que o banco ignorou os alertas do sistema de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que registrou pelo menos 19 desmatamentos na fazenda financiada desde 2008. Dois desses desmatamentos ocorreram em 2020, após a vigência das consultas automáticas do banco. A reportagem não encontrou nenhuma autorização de desmatamento nos sistemas públicos do Pará que justificasse essas supressões.
Como já publicamos aqui no Pará Terra Boa, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) estima que 90% da área desmatada na Amazônia até 2019 foi destinada a pastagens. Outra estatística produzida pela ONG revela que entre 2016 e 2018, quase todos os animais abatidos nos frigoríficos da região vieram das áreas de maior risco de desmatamento da floresta.
Histórico de crimes
Em 2014, Rogério de Paula Leite já havia sido multado por desmatar 72 hectares em outra fazenda paraense em Cumaru do Norte e a área foi embargada. No entanto, ele não respeitou a proibição de cessar atividades na parcela e, em 2015, foi novamente autuado por impedir a reconstituição da vegetação natural. O sistema de Cadastro Ambiental Rural mostra apenas uma propriedade em seu nome neste município, para onde o BNDES enviou mais de R$ 600 mil em empréstimos entre 2012 e 2013, incluindo o período em que a multa e o embargo ocorreram.
Apesar dos históricos de desmatamento e embargos de propriedades ligadas a Leite, se o financiamento concedido a ele fosse avaliado à luz da política ambiental e climática do Banco do Brasil, não seria negado. Isso ocorre porque a política do banco só impede operações com terceiros que comprovadamente tenham causado danos intencionais ao meio ambiente, o que limita a capacidade do banco de evitar investimentos em áreas de alto risco de desmatamento.
O auxílio concedido ao fazendeiro em São Félix do Xingu foi proveniente do Programa ABC, que oferece juros com subsídios para incentivar a prática de agricultura com baixa emissão de carbono. No entanto, é possível que o dinheiro tenha sido utilizado em desacordo com o propósito da linha de crédito: apesar de possuir multas e embargos por desmatamento, Leite é criador de gado para abate, e foi essa atividade que ele apresentou como justificativa para obter o financiamento público em 2016.
A Repórter Brasil entrou em contato com Rogério de Paula Leite e com seus advogados por e-mail, telefone e mensagens de texto, mas não recebeu nenhum comentário sobre o caso até o fechamento desta matéria.