Por Sidney Alves
Se o fertilizante da Rússia está com seu fluxo comprometido por causa da guerra hoje em curso contra a Ucrânia, tirando o sono de muitos produtores rurais no Brasil, em dúvida se vai faltar o produto no futuro, que tal olhar para o próprio quintal para remediar a situação?
Alguns dos caminhos são a adubação orgânica, a partir da aquisição de esterco bovino, esterco de frango ou cama de frango para atenuar um pouco do impacto. Outra via é a adubação biológica ou organomineral e até mesmo a adubação verde, utilizando na rotação de cultura o nabo forrageiro e a crotalária, entre outras culturas.
Para se ter uma ideia, enquanto a agricultura biológica cresce no mundo 12%, no Brasil, esse índice gira entre 35 a 40%, conforme já nos contou o biólogo Antônio Carlos Zem, doutor em agronomia pela Esalq/USP e CEO da Biotrop.
Agora, o pesquisador da Embrapa Solos, José Carlos Polidoro, conversou nesta segunda-feira, 7/03, com a equipe do Pará Terra Boa sobre algumas alternativas hoje em mãos para ultrapassar esta crise de uma maneira segura. Segundo ele, os bioinsumos ou inoculantes microbianos têm várias qualidades.
“Os bioinsumos potencializam os nutrientes que você aplica ou que já têm no solo. Eles aumentam a atividade da planta, estimulando-a para poder receber o nitrogênio vindo do ar, e que será fixado pelas bactérias. Elas (bactérias) solubilizam o fósforo, nitrogênio, potássio, disponibilizando-as para as plantas, que absorvem pelas raízes delas. Os bioinsumos também protegem as plantas de doenças e das pragas. É uma maneira de economizar e de produzir mais”, explica.
Os bioinsumos abrangem sementes, fertilizantes, produtos para nutrição vegetal e animal, defensivos biológicos feitos a partir de microrganismos para controle de pragas, produtos fitoterápicos ou tecnologias que têm ativos biológicos na composição. Já os inoculantes são produtos, processos ou tecnologias que contêm micro-organismos aplicados para estimular o desenvolvimento das plantas.
Polidoro reforça que as bactérias, por exemplo, podem ser fortes aliadas agora do produtor de soja, pois algumas delas fixam nitrogênio no solo, dispensando o uso de ureia. Segundo ele, o Plano Nacional de Fertilizantes prevê estudos com tecnologias para que esses microrganismos possam funcionar bem também para outras culturas, e não somente para a soja.
“Estas bactérias se associam com plantas, como no caso da soja, e fornecem todo o nitrogênio que ela precisa e você não precisa usar fertilizante nenhum, industrializado, como ureia por exemplo. O Brasil não usa nitrogênio na ureia. Se usasse, teria que consumir mais de oito milhões de toneladas de ureia, mais ou menos. O Brasil tem essa tecnologia. E estas bactérias são os bioinsumos que são os inoculantes para a soja. Infelizmente, o sucesso mesmo é só na soja, que tem esta fixação biológica de nitrogênio. Mas agora com o Plano Nacional de Fertilizantes, nós vamos desenvolver mais esta fixação biológica de nitrogênio para ela poder funcionar bem para o milho, para a cana-de-açúcar, para o café e outras culturas”, disse.
Os principais microrganismos dos defensivos biológicos são as bactérias, fungos e mycorrhiza, que apresentam modos de ação mais diversificados que os insumos químicos. Eles atuam em competição com microorganismos que podem provocar danos e doenças às plantas, como os neumatóides. Ajudam na aeração do solo, reduzem a carga química dos plantios e aumentam gradativamente a produtividade das culturas. Além disso, têm custo mais acessível.
Os produtos biológicos apresentam resultados mais rápidos quando associados a outras práticas, como rotação de cultura, plantio direto ou adição de matéria orgânica ao solo. Não são incompatíveis com os químicos, mas se complementam.
Além dos microorganismos, os insumos biológicos são desenvolvidos a partir de enzimas, extratos (de plantas ou de microrganismos), macrorganismos (invertebrados), metabólitos secundários e feromônios, destinados ao controle biológico. Esses insumos são também os ativos voltados à nutrição, os promotores de crescimento de plantas, os mitigadores de estresses bióticos e abióticos e os substitutivos de antibióticos, conforme definição da Embrapa.
Caravana
O pesquisador citou também a Caravana Embrapa FertBrasil, que começará em abril, com o objetivo de capacitar e trocar conhecimentos entre os institutos de pesquisa e o setor produtivo. Uma das tarefas da iniciativa é analisar a fertilidade de solos e de folhas de plantas. Em muitos lugares do Brasil, os produtores utilizam uma receita pronta, um pacote tecnológico genérico, independentemente da fertilidade do solo ali presente.
“Os pesquisadores e técnicos da Embrapa vão percorrer o Brasil inteiro, trocando experiências, construindo uma proximidade e uma relação técnica com o produtor rural em todo o País para que possamos aumentar a eficiência dos fertilizantes no campo e diminuindo o desperdício. A ideia é potencializar estes novos insumos brasileiros para que o agricultor possa ter o preço dos fertilizantes cada vez menor no custo de produção dele, para tentar produzir alimentos cada vez baratos para o consumidor brasileiro”, adiantou.
O Brasil, atualmente, consome cerca de 8,5% dos fertilizantes em nível global, ocupando a quarta posição. China, Índia e Estados Unidos aparecem no topo da lista de consumo. Esses países, ainda, são grandes produtores mundiais de fertilizantes, à exceção do Brasil, que importou em 2021 cerca de 89% das 43 milhões de toneladas consumidas na produção agrícola.
No País, as culturas de soja, milho e cana-de-açúcar respondem por mais de 73% do consumo de fertilizantes. A Rússia é responsável por fornecer 25% dos fertilizantes para o Brasil. Junto à Bielorrússia, chega a fornecer mais de 50% do potássio consumido pelo agricultor brasileiro anualmente.
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