Se estivesse vivo, Chico Mendes teria completado 77 anos no dia 15 de dezembro de 2021. Já são 33 anos sem o líder seringueiro que lutou contra a violência no campo e a favor dos direitos dos povos tradicionais, deixando um legado incalculável nessa batalha pela proteção das florestas. Ele foi assassinado em 22 de dezembro de 1988, com um tiro de espingarda a mando de fazendeiros da região de Xapuri (AC).
Desde 1989 é organizada a Semana Chico Mendes, com debates e reflexões para a proteção da floresta e do povo. Neste ano, a atividade teve como eixo central a “Crise Climática: Vozes das Florestas em Defesa dos Territórios”, com o intuito de reunir lideranças em Xapuri para, a partir das discussões e estratégias adotadas, elencar, alinhar e estruturar ações em defesa dos territórios, da vida e do Planeta.
Outro evento que marcou a semana e celebrou o legado de Chico Mendes foi o Encontro Amazônia: Terra, Território e Mudança Climática, realizado em Xapuri. Líderes indígenas, Comitê Chico Mendes, Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e representantes dos povos da floresta e comunidades tradicionais elaboraram uma carta em defesa do legado de Chico, que será finalizada e enviada para assinatura de diversas entidades.
Símbolo de luta pela preservação da floresta
Francisco Alves Mendes Filho foi seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista brasileiro. Defendeu seringueiros da Bacia Amazônica, cuja subsistência dependia da preservação da floresta e das seringueiras nativas. Suas ideias estão vivas, mesmo em 2021, ano que o desmatamento avança de forma desenfreada. A Amazônia Legal perdeu 10.222 km² de floresta entre janeiro e novembro de 2021, o maior acumulado dos últimos 10 anos para o período, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento, do Imazon.
Mesmo com tanta destruição, vocês têm visto por aqui tanta gente da nossa terra, da nossa Amazônia, que Chico se orgulharia de conhecer suas ideias, inovações, trabalho duro em defesa de uma floresta em pé. Esse é o legado de Chico Mendes.
Ele foi um dos primeiros que tiveram a coragem de denunciar aqueles que financiavam a destruição da floresta amazônica e que, principalmente, ajudou a criar o conceito das reservas extrativistas, uma área demarcada para que as populações tradicionais pudessem viver da exploração da floresta, de forma sustentável, um conceito que se multiplicou Brasil afora e ajudou a salvar milhões de hectares de vários ecossistemas brasileiros.
A economia da borracha em decadência nos anos 1970 fez com que milhares de fazendeiros do Sul e do Sudeste do Brasil fossem para o Acre para adquirir os seringais de porteiras fechadas, sem observar que as terras estavam ocupadas pelos seringueiros. Milhares de famílias acabaram sendo expulsas e tiveram suas casas incendiadas, indo inflar a população das periferias das cidades acreanas.
Foi então que surgiu a campanha de Chico Mendes contra o desmatamento, primeiro por meio do Sindicato Rural de Brasileia e, depois, fundando o próprio sindicato em Xapuri, onde também se filiou ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), único partido de oposição autorizado a funcionar no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985).
Em 1977, Chico foi eleito vereador de Xapuri pelo MDB e, em 1985, organizou o I Encontro Nacional dos Seringueiros na capital federal, o que atraiu centenas de representantes na Universidade de Brasília e viabilizou a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, reunindo lideranças de todos os Estados produtores de borracha natural da Amazônia.
Mais adiante Chico cria a Aliança dos Povos da Floresta, que sua filha, Ângela Mendes, considera um dos mais importantes legados do pai, por reunir as populações tradicionais da Amazônia. Uma união tão importante que foi reativada há dois anos durante as comemorações da Semana Chico Mendes para fazer frente ao governo Bolsonaro e seus planos de desmantelamento da política ambiental brasileira.
Conforme ia sendo reconhecido globalmente por sua luta, as ameaças também ficavam mais tensas. Em 1987, foi convidado para a conferência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) nos Estados Unidos para falar sobre os impactos ambientais e sociais que a pavimentação da BR 364 -entre Porto Velho e Rio Branco– poderia ocasionar. Em sua própria terra natal, foi chamado de traidor por deputados da Assembleia Legislativa do Acre e acusado de lutar contra o desenvolvimento do Estado por se sua visão crítica sobre a rodovia, o que poderia impedir o envio dos recursos pela instituição financeira internacional.
“Na noite de 27 de maio deste ano eles mandaram atacar o nosso acampamento de trabalhadores, em Xapuri, onde dois seringueiros foram baleados: Raimundo Pereira e Manuel Custódio. Foram brutalmente baleados. Logo em seguida, no dia 18 de junho, Ivair Higino foi morto numa emboscada com espingarda calibre 12, dois tiros, e mais oito de revólver. Foi assassinado por grupos a serviço desses dois fazendeiros. Logo em seguida, em agosto, tudo neste ano apenas, um outro trabalhador, José Ribeiro, em Xapuri, foi também assassinado por pistoleiros”, contou Chico Mendes ao Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, duas semanas antes de ser assassinado.
Em março de 1990, o governo criou a Reserva Extrativista Chico Mendes, cobrindo 970 mil hectares, distribuídos por Xapuri e seis outros municípios do Acre. Enquanto a floresta dentro da área protegida foi preservada, os arredores sofreram com o desmatamento. Hoje, mais de três décadas depois da morte de Chico Mendes, a Resex é cercada por grandes fazendas de gado que exercem forte pressão sobre ela.
Para a pesquisadora do Imazon, Larissa Amorim, é necessário intensificar urgentemente as ações de fiscalização nessas áreas e identificar os responsáveis pelos desmatamentos ilegais. Ela explica que “segundo a legislação, essas reservas são destinadas para que populações extrativistas tradicionais possam fazer o uso sustentável dos recursos naturais. Porém, as altas ocorrências de desmatamento dentro e ao redor da Resex Chico Mendes impedem que essa gestão sustentável seja feita”.
Fonte: Amazônia Real e WWF
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