A ocorrência de eventos climáticos extremos está aumentando no mundo e coloca em risco a sobrevivência da Amazônia como ela é hoje. O alerta é do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Philip Fearnside, uma das maiores autoridades no estudo sobre a devastação e a preservação do bioma. Em entrevista ao Globo Rural, o especialista abordou a relação entre desmatamento, mudanças climáticas e a seca que afeta a região e falou da urgência de combater esses problemas.
Nos últimos meses, o planeta vem registrando altas sucessivas nas temperaturas e há o temor de que a condição climática piore, caso se confirmem as previsões de que El Niño deste ano seja mais intenso do que em 2015/2016. O impacto desses fenômenos e do histórico de devastação sobre a floresta amazônica é preocupante na avaliação de Fearnside, que integra o grupo de cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês).
“Estamos numa situação grave. Há várias ameaças: tem o desmatamento, a construção de estradas, as barragens e tudo o mais que leva a mais desmatamento. E temos também mudança climática, a global e uma mudança climática regional, afetada pelo desmatamento. Então, são muitas ameaças convergindo sobre a floresta. É realmente grave”, analisa o pesquisador.
No contexto atual, essa convergência seria potencializada pelo El Niño, apontado como responsável pela seca dos rios que afeta diversas partes da Amazônia. Philip Fearnside explica que o aumento da temperatura no Pacífico está ocorrendo de forma concomitante ao aquecimento do Atlantico Norte, enquanto o Atlântico Sul está com temperatura estável. Essa diferença é chamada de dipolo atlântico e estaria por trás da seca na Amazônia.
“A gente ainda não sabe se esse El Niño vai ser maior, mas o que a gente sabe é que as águas no Pacífico estão mais quentes nesta época do ano do que em 2015. Isso é gravíssimo, porque as previsões mostram que os efeitos deste El Niño podem durar até junho do ano que vem”, acrescenta.
O cientista apresenta ainda dados alarmantes sobre o clima no planeta. As evidências mostram que a frequência de El Niños tão poderosos é maior a partir de 1975 em comparação com os 2 mil anos anteriores. Além disso, as pesquisas indicam que o aumento de 1,2º já registrado tem provocado mudanças drásticas que podem levar a alterações na paisagem da Amazônia.
“É preciso entender que a extensão da seca é peça-chave no aumento de incêndios e no aumento de árvores morrendo de sede, por falta de água. É a extensão da seca que determina o tipo de vegetação que vamos ter na Amazônia. O que vai determinar isso não é exatamente a quantidade de chuva, mas sim o tempo que uma área fica seca””, comenta Fearnside, dizendo que a persistência do aquecimento tende a transformar a floresta densa em uma região de savana.
Apesar do cenário pessimista, o pesquisador acredita que é preciso rejeitar atitudes fatalistas e que acabam desmobilizando a população. Para ele, a ação contra as mudanças climáticas é necessária e urgente.
“Estamos perdendo a oportunidade de evitar que algo muito grave aconteça. A janela está se fechando. Não podemos esperar até 2050 para zerar as emissões de carbono, precisamos de uma redução brutal nas emissões já. Então não é que temos mais tempo para esperar. Precisamos reduzir as emissões, acabar com o desmatamento já”, frisa Philip Fearnside.