A emissão de créditos de carbono é hoje uma das principais apostas de grandes empresas e governos para gerar receita com a proteção das florestas. Na Amazônia, o potencial desse mercado é imenso e, por isso, a região tem atraído cada vez mais investidores e projetos que prometem remunerar as populações locais pelos serviços ambientais. No entanto, tem crescido o número de casos de violações de direitos e apropriações por parte dessas mesmas iniciativas que deveriam gerar benefícios para as comunidades e o meio ambiente.
O caso mais recente foi revelado por reportagem do Joio e o Trigo, que expõe as formas de aliciamento e os contratos abusivos firmados entre as empresas Pará Redd e Redda+ e comunidades extrativistas e quilombolas dos municípios de Gurupá e Portel, no arquipélago do Marajó.
As negociações ocorreram em meados de 2020 e 2021, sempre com promessas vantajosas de pagamentos pela conservação da floresta e benefícios a longo prazo para as comunidades. Em troca, as empresas seriam as titulares de todos os créditos de carbono gerados e teriam a ter livre acesso aos territórios, mas poderiam interferir diretamente nas atividades tradicionais da população e definir os valores repassados às comunidades com base em critérios subjetivos como “engajamento”.
“Eles falavam que dava de 40 milhões a 80 milhões de reais (7,5 a 14,8 milhões de dólares) [para a comunidade] durante 40 anos. Só que no decorrer, depois da assinatura do contrato, eles não fizeram tudo que tinham prometido. Falavam os valores, mas cada mês eles foram cortando o valor. Cortou pela metade. Depois diminuiu ainda mais”, contou ao site uma pessoa de uma das comunidades, sob condição de anonimato.
Ameaças e exigências
O motivo da preocupação com o anonimato vem das ameaças que os moradores passaram a receber depois das restrições impostas pelos projetos. Na comunidade do Alto Camarapi, em Portel, por exemplo, a associação local já havia ingressado com um pedido para desenvolver manejo florestal sustentável na área, mas a Redda+ alterou metodologias e passou a exigir que a população abandonasse qualquer outra atividade.
“Quem estivesse com manejo teria que cancelar. Não ia poder fazer roça. Não ia poder fazer subsistência. Ia interferir diretamente no nosso modo de vida. A gente não aceitou”, disse outro morador à reportagem.
Por trás dessas práticas que violam os direitos territoriais e de autogovernança dos extrativistas, segundo ação da Procuradoria-Geral do Estado do Pará, estavam representantes das empresas, entre eles: Bruno Tavares da Silva, ex-policial militar de São Paulo, que atua nos territórios defendendo os interesses de investidores do Emirados Árabes; o pecuarista Leide Gerônimo, que cria gado ilegalmente na região, e seus filhos Wilton e Weldes Gerônimo.
A família Gerônimo é acusada de atuar promovendo ameaças contra os comunitários. Em novembro do ano passado, quando a tensão entre os moradores e as empresas estava em alta, Leide Gerônimo publicou em um grupo de WhatsApp um vídeo, que logo em seguida foi apagado, de uma pessoa sendo esfaqueada e tendo a pele arrancada. Já os irmãos Wilton e Weldes Gerônimo, seriam responsáveis por facilitar as reuniões com representantes da Redda+.
Por sua vez, Bruno Tavares aparece como sócios das empresas envolvidas e seria o representante de empresários britânicos. Documentos de uma ação trabalhista movida na Justiça do Pará mostram que o verdadeiro proprietário seria Kevin Tremain, também dono da ADPML, uma das empresas envolvidas no escândalo de venda de créditos de carbono obtidos com documentação falsa de terras públicas no Marajó.
“A gente caiu numa armadilha. Só mudaram o nome da empresa. Foi aí que a gente entendeu que eles são os verdadeiros donos da Redda+”, lamenta outra pessoa das comunidades aliciadas.
Seriam sócios de Kevin Tremain, Andrew Harvey Fox e Tahsin Choudhury, que possuem outros negócios no ramo de carbono. Além disso, o endereço utilizado pela empresa de Tremain coincide com o endereço de seu pai, Kenneth Noye, figura conhecida na Inglaterra por envolvimento em um dos maiores roubos da história do país e pelo assassinato de um detetive que investigava o caso.
Procurados pela equipe de reportagem, Bruno Tavares, Kevin Tremain, Andrew Harvey Fox, além de Leide Gerônimo e seus filhos, Weldes e Wilton não responderam. Tahsin Choudhury negou envolvimento com as empresas, apesar da existência de documentos e troca de mensagens que contrariam essa versão.
Justiça
Até o momento, apenas uma das comunidades, a Camutá do Pucuruí, conseguiu a Justiça o direito de romper com o contrato abusivo. A ação movida pela Procuradoria Geral do Estado foi negada, pois, segundo o juiz da causa, deveria ter sido movida pela associação de moradores.
Apesar dos problemas enfrentados, o mercado de carbono ainda é visto como uma oportunidade para garantir a sustentabilidade econômica na região.
“Hoje estamos livres no mercado. Por tudo aquilo que aconteceu, estamos estudando para ver a forma certa de fazer. Já fomos procurados por algumas empresas”, afirma, a José Cândido Gomes da Silva, conhecido como Mapará, presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais do Camutá do Pucuruí.