Berço de diferentes espécies de peixes de interesse para a pesca artesanal e esportiva, o Rio Tocantins é um patrimônio para diversas comunidades que vivem ou dependem dos recursos que ele proporciona. A conservação do rio, no entanto, está ameaçada com o avanço do projeto de dragagem e derrocamento que foi incluído no pacote de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Pará. Em resposta, mais de 50 organizações se articulam para tentar barrar o projeto chamando atenção para seus impactos sociais e ambientais.
A ideia de obras para ampliar a navegação na hidrovia Araguaia-Tocantins datam da década de 1970, quando foi construída a hidrelétrica de Tucuruí e preveem a retirada de bancos de areia (dragagem) e de afloramentos rochosos (derrocagem) que se estendem por 560 km do rio. O objetivo é criar um canal por onde grandes embarcações e comboios de barcaças possam transitar e transportar commodities agrícolas e minerais.
O projeto é de interesse para operadores logísticos, indústrias e o agronegócio, mas vai de encontro às comunidades locais, compostas por grupos de pescadores, etnias indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e outros dos estados do Pará, Tocantins e Goiás, que assinam em conjunto um manifesto contra as obras no Pedral do Lourenço.
“Os impactos potenciais deste empreendimento são alarmantes e abrangem diferentes aspectos. O canal de navegação pode provocar erosão das margens e ilhas, alterar a força, velocidade e direção das correntes, contaminar a água por efluentes e outros danos à qualidade da água. A dragagem e a derrocagem podem afugentar e perturbar o comportamento da ictiofauna, dificultar a recuperação dos estoques pesqueiros (região de lagos, lagoas e berçários naturais) e introduzir espécies exóticas no ecossistema. As mudanças nas rotas de navegação e locais de pesca, somadas ao aumento do esforço pesqueiro, podem reduzir a lucratividade da atividade. Vindo a comprometer toda a cadeia produtiva da pesca”, enumera o documento.
Além disso, as organizações apontam uma série de irregularidades no processo de licenciamento. Entre elas estão: a ausência de consultas prévias, livres e informadas com as comunidades que devem ser impactadas, a falta de informações que demonstrem a viabilidade da obra e o fatiamento das licenças ambientais, ignorando os impactos da hidrovia como um todo.
“A pesca artesanal, amadora e o Turismo da Pesca Esportiva no rio Tocantins são as atividades econômicas mais importantes na região, e qualquer impacto terá repercussões graves sobre a segurança alimentar e nutricional dessas comunidades. A perda e alteração do habitat aquático e a diminuição da atividade pesqueira são consequências esperadas, com magnitude e relevância elevadas”, acrescenta o manifesto.
Os riscos do empreendimento também alertaram o Ministério Publico Federal que já ingressou com ação na Justiça Federal pedindo a anulação das licenças para a obra devido às suas irregularidades, violações à legislação e deficiências técnicas. No final de agosto, o órgão e pesquisadores foram ouvidos em audiência pública sobre o tema realizada na Comissão de Meio Ambiente do Senado.
“É outro grande empreendimento na Amazônia baseado em uma concepção de desenvolvimento que subestima os danos socioambientais e privatiza recursos escassos para o lucro de poucos. Sem consulta às comunidades, com critérios inadequados de avaliação e carência de monitoramento dos impactos futuros”, resumiu na audiência o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Sadi Machado.