Por Gisele Coutinho
O Pará Terra Boa tem apontado alguns obstáculos que emperram a plena implementação da principal legislação ambiental que existe no Brasil, o Código Florestal Brasileiro, que na quarta-feira, 25/05, fez 10 anos de vida. A validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um deles, pois somente 0,43% dos 6 milhões de cadastros registrados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) foi validado no Brasil.
Além desse apagão do campo, outro obstáculo são as fraudes de registro do CAR, em forma de sobreposição de propriedades, ou seja, quando mais de uma pessoa registra a mesma terra no sistema, ilegalmente. Muitas vezes, a terra em questão é um floresta pública, e não privada, o que configura crime.
O policial federal Nilson Vieira dos Santos, coordenador de Repressão a Crimes Ambientais de Patrimônio Cultural da Polícia Federal, fez sete sugestões para que o sistema seja aprimorado contra irregularidades, durante audiência da Comissão de Meio Ambiente no Senado, no dia de aniversário do Código Florestal.
1. Criar rastreamento
O delegado federal apontou a falta de capacidade do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) para rastrear, eletronicamente, quem introduz dados falsos na plataforma.
“A dificuldade de responsabilização é um ponto importante, de quem dolorosamente insere dados falsos no sistema CAR. Hoje a rastreabilidade não tem uma garantia, pois não temos um controle melhor sobre quem está prestando essas declarações falsas”, disse.
2. Criar filtros
Uma solução para melhorar esse rastreamento seria a implementação de filtros automáticos que barrem ou indiquem diretamente a sobreposição de terras. Isso evitaria que benefícios relacionados ao CAR, como o licenciamento ambiental e o crédito rural, fossem renovados automaticamente, melhorando a aplicação do Código Florestal.
“O licenciamento ambiental é atualizado mesmo quando os dados do CAR apresentados estão em desacordo com as normas legais. Deveria ter uma garantia de que a pendência houvesse sempre que há irregularidade, e que a pendência impossibilitasse que o crédito rural e o licenciamento ambiental fossem aprovados”, disse.
É bom lembrar toda propriedade rural também está registrada no Sistema Florestal Brasileiro (SFB), vinculado ao Ministério da Agricultura. O ideal seria que os dois sistemas “conversassem”.
3. Banir nova numeração
Como o CAR é autodeclaratório, o suposto dono do imóvel rural se aproveita do fato de o Sicar gerar sempre um novo número de recibo quando são feitas alterações no registro do CAR. Assim, quando um imóvel está com o CAR pendente, por exemplo, o infrator faz uma alteração com documento falso na tentativa de regularizar o CAR. A pendência, então, desaparece. Para ele, é necessário que, quando as alterações no CAR ocorressem, não fosse gerado um novo recibo, alterando o número da propriedade.
“Também ocorre a alteração fraudulenta dos dados do CAR. Isso é feito para gerar um novo número de recibo. Seria interessante que a alteração tivesse um registro claro de que é uma alteração referente a um CAR anterior. E também seria uma alteração significativa para permitir esse instrumento de controle, para que fosse rastreado, que o número principal permanecesse após a alteração desses dados”, disse.
4. CAR ativo só depois de validado
O registro do CAR sempre se inicia como Ativo, mesmo antes de vistoria do poder público.
De acordo com o delegado, seria necessário que o cadastro se tornasse Ativo somente após ser analisado pelos órgãos públicos, regulamentando a sua situação.
“Foram demonstrados aqui diversos casos de CAR Ativos, mesmo com as suas pendências, como sobreposição. Mesmo com elas, não se impediu que o CAR se tornasse Ativo. Então é evidente que é necessário um rigor maior para essa condição cadastral tornar-se Ativa”, disse.
5. Cruzamento de dados com o SIGEF
O delegado afirma que um cruzamento dos dados do Sicar com os dados do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) garantiria uma precisão melhor de quais e quantas propriedades estão cadastradas regularmente no País.
“Seria interessante ter uma checagem, uma vez que os dados do SIGEF são mais confiáveis, buscando evitar a inconsistência ou a duplicidade com os dados do CAR”, disse.
6. CAR em PDF
Para garantir uma maior transparência e facilitar o domínio público dos cadastros presentes no CAR, o delegado federal defende que todos os documentos referentes à propriedade cadastrada sejam inseridos no formato PDF, de fácil visualização na plataforma de inscrição. Isso impediria que os documentos fossem adulterados com o tempo e permitiria uma revisão simplificada, caso necessária, feita pelos órgãos públicos.
“Ou seja, que tenha como requisito que esse documento comprovasse a posse, mas que ele fosse usado como uma forma de se auditar essa comprovação”, disse.
7. Tipificação do crime
Em sua conclusão, o delegado federal pontua que “o tipo penal proposto no Projeto de Lei 486/2022 para a situação de lançamento de dados falsos no CAR está com a situação menor do que a falsidade ideológica.” Ou seja, a pena aplicada por fraude documental no CAR seria menor do que a pena aplicada em caso de falsidade ideológica (Art. 299 do Código Penal/1940).
“O tipo penal proposto no Projeto de Lei Nº 486/2022 para a situação de lançamento de dados falsos no CAR está com a situação menor do que a falsidade ideológica. Sendo assim, seria melhor que mantivesse a falsidade ideológica para punir esse tipo de conduta, ou que a falsidade fosse a mesma”, garantindo que ambos os crimes de fraude sejam punidos com igual rigor.
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