A fumaça, antes vista como um problema restrito ao ar, agora se revela uma ameaça multifacetada na Amazônia. Proveniente de queimadas que assolam a região em 2024, contamina rios e a escassa água da chuva, afetando diretamente a vida de comunidades isoladas. Mesmo em áreas urbanas, a poluição atmosférica é uma constante, retornando com força após breves períodos de chuva.
Somente em 2024, a Amazônia Legal conta com 221 mil focos de incêndio até 10 de outubro, 78% a mais que em 2023. A médica pesquisadora da Fiocruz, Sandra Hacon, detalhou ao Amazônia Real os impactos dessa realidade na saúde da população e dos animais amazônicos, destacando a gravidade da situação.
De acordo com ela, as partículas grandes de fuligem ficam no nariz, onde são filtradas pelos pelinhos. As partículas menores conseguem alcançar os alvéolos pulmonares e a corrente sanguínea. Na corrente sanguínea, as nanopartículas se distribuem de forma sistêmica.
“Se a pessoa já tem um problema respiratório ou alergia, fica mais propensa a sofrer com essas partículas. A respiração e a inalação fazem com que essas partículas cheguem à corrente sanguínea. Crianças que passam mais tempo ao ar livre respiram mais dessas micropartículas. É por isso que a recomendação é não ficar ao ar livre e não fazer exercício, pois isso aumenta a capacidade pulmonar e a inalação de micropartículas.
Sandra Hacon é referência em estudos sobre doenças infecciosas, vigilância e políticas de saúde. Sua atuação na pandemia de Covid-19 e em pesquisas sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde pública a consolidam como uma das principais vozes na área.
Em relação à água, a pesquisadora revela que a contaminação dos rios pela fumaça pode causar coceira na pele e problemas dermatológicos, já que ela é usada pela população tanto para tomar banho e quanto para beber.
“Nessa água vai ter material particulado, agrotóxicos, metais, hidrocarbonetos. A população pode beber essa água? Não, não deveria. Com a seca intensa, os rios em áreas indígenas estão secando. Como eles vão conseguir água? Água de carro pipa? Acho que não”.
Em estudos anteriores, Sandra e sua equipe demonstraram a relação direta entre o aumento das temperaturas e o risco de doenças e óbitos por “estresse térmico”, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Além disso, suas pesquisas revelaram que as partículas provenientes das queimadas na Amazônia podem causar danos irreversíveis à saúde, como inflamação, estresse oxidativo e até mesmo o desenvolvimento de câncer de pulmão.
A pesquisadora alerta para a necessidade urgente de políticas públicas eficazes para combater as queimadas e proteger a saúde da população amazônica.