Fabrício Queiroz
As florestas dão uma série de contribuições essenciais para a manutenção da vida, da biodiversidade e do equilíbrio climático no planeta. Apesar disso, esses ambientes estão em constante ameaça devido à ação humana, que é a principal responsável pela devastação, as queimadas e o desmatamento. Neste 21 de março, quando se comemora o Dia Internacional das Florestas, o Pará Terra Boa lembra que essa relação nem sempre foi predatória e que o homem pode ser um aliado desses ecossistemas.
As populações da Amazônia, sejam elas rurais ou urbanas, têm uma relação muito próxima com a floresta. É dentro delas que estão mais bem preservados os recursos hídricos e os rios por onde trafegam milhões de pessoas. São elas que também abrigam inúmeras espécies da fauna e da flora, além de prover as sociedades locais com uma enorme variedade de frutas e plantas medicinais de uso cotidiano.
Aliás, a pesquisa arqueológica desenvolvida na região mostra que a disseminação de muitas dessas espécies é uma evidência de como a maior floresta tropical do mundo é fruto de um longo histórico de processos de manejo. Projetos realizados pelo Museu Paraense Emílio Goeldi em Carajás revelam que os grupos humanos já manejavam a floresta amazônica há pelo menos 11 mil anos.
Essa conclusão é apresentada no livro “A Humanidade e a Amazônia: 11 mil anos de evolução histórica em Carajás”, organizado por Marcos Pereira Magalhães. A obra estabelece conexões entre as investigações arqueológicas e os estudos botânicos, fornecendo uma nova perspectiva sobre a formação da Amazônia e o papel dos povos caçadores-coletores.
Segundo a pesquisa, esses povos ainda não tinham desenvolvido a tecnologia da produção cerâmica nem uma agricultura sistematizada, porém foram eles os responsáveis pelo manejo e seleção cultural das plantas encontradas atualmente, sobretudo em virtude das suas necessidades medicinais, alimentares e de construção.
“Nosso viés de pesquisa sempre foi o impacto humano sobre a Amazônia, a partir da perspectiva da cobertura vegetal. Nós percebemos que esse impacto humano existe desde o início e que no princípio foi positivo”, pontua Marcos Magalhães.
Entre essas espécies selecionadas na pré-história da Amazônia estão frutos como o cacau e o cupuaçu, que podem ser encontrados em diferentes localidades e se tornaram ingredientes típicos de muitos pratos da culinária regional. Isso porque as populações que sucederam os caçadores-coletores herdaram essa sabedoria do manejo e aprimoraram técnicas de produção, de cultivo e de composição do solo e das paisagens. Uma sabedoria ancestral cada vez mais ameaçada pela devastação.
“Imagine que ao longo de 11 mil anos essas pessoas foram conhecendo e selecionando aquelas plantas. Hoje, não conhecemos muitas das suas utilidades, pois esse conhecimento foi perdido a partir da invasão europeia, com a imposição de uma outra cultura”, analisa o arqueólogo.
Já Eduardo Góes Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, se dedica a estudar os vestígios de populações antigas da região que podem ser encontrados, seja em resquícios de cerâmica, em geoglífos e em sedimentos da chamada terra preta em porções da Amazônia Ocidental. Ainda que abordagens diferentes tenham sido aplicadas, as conclusões foram semelhantes.
“A ideia, ainda muito difundida, de uma formação florestal virgem, intocada, não corresponde à realidade. As florestas amazônicas são produtos da ação humana. O manejo criou a composição de árvores que existe hoje”, disse o pesquisador autor do livro “Sob os tempos do equinócio: oito mil anos de história na Amazônia”.
O que esses e outros estudos trazem não é apenas uma nova forma de olhar a floresta, mas também demonstram que é possível reaprender com o passado e estabelecer novas relações com a floresta e com natureza.
“Há diferentes formas de viver e prosperar na Amazônia. O modelo atualmente dominante, que derruba árvores, queima a mata, esburaca a terra, contamina os rios e transforma a paisagem exuberante em uma terra desolada, não é o único possível. É possível viver na e da floresta sem destruí-la. E as populações que vivem desse jeito, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, são os grandes guardiães não apenas da floresta viva, mas também dos tesouros arqueológicos que ela esconde”, afirma Eduardo Neves.