A invasão do garimpo nas Terras Yanomamis, em Roraima, resultou numa das mais graves crises sanitárias e de saúde pública do País. Usado para separar o ouro de outras substâncias, o mercúrio deixa um rastro de destruição e morte nas populações afetadas pela atividade extrativista. Isso porque, após o uso, o metal pesado é jogado nos rios, onde se dissemina pelas águas e chega aos indígenas por meio da ingestão de peixes contaminados.
No Pará, são os povos Munduruku e Kayapó os que mais sofrem com a exposição ao mercúrio, por meio da alimentação baseada no consumo de peixes contaminados.
A devastação causada pelo mercúrio é de grandes proporções, vai além da exploração nas terras indígenas e é apenas um dos aspectos causados pelo garimpo. O Pará, com sua imensa riqueza natural, tem sofrido com a expansão desenfreada da atividade em vários setores, inclusive o turístico.
Santarém tem 75% da população contaminada por mercúrio de garimpo
Estudo realizado pelo LEpiMol (Laboratório de Epidemiologia Molecular) da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e o WWF-Brasil, mostrou uma alta taxa de concentração de mercúrio (Hg) no sangue de residentes de áreas urbanas e ribeirinhas da bacia do Baixo Tapajós.
O metal foi encontrado em todos os 462 participantes da pesquisa. Desse total, 75,6% evidenciaram exposição acima do limite de segurança de 10 µg/L estabelecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
De acordo com o levantamento, a prevalência da exposição de mercúrio foi maior na população ribeirinha (90%) do que naquelas que vivem em áreas urbanas (57,1%). Na área urbana, o nível médio de mercúrio era 33,6 ± 36,7 µg/L, enquanto um nível de 55,5 ± 65,7 µg/L foi registrado na área ribeirinha. Comparando as populações ribeirinhas, a prevalência de exposição de mercúrio na beira do rio Tapajós (59,5%) foi maior que a do rio Amazonas (40,5%).
Rios contaminados ferem orgulho do paraense
Como já disseram os poetas Paulo André e Rui Barata em verso: “Esse rio é minha rua”, os paraenses têm muito orgulho dos rios que banham o estado. Mas, atualmente, eles representam verdadeiros riscos para a saúde pública já que o mercúrio se transformou no pior inimigo dos nossos rios, contaminando os peixes que eram consumidos pelos indígenas e outras populações.
No corpo humano, o mercúrio causa mal-estar, alterações na fala e na coordenação motora. Em bebês, pode gerar problemas neurológicos irreversíveis, disfunções no coração, na tireóide e no sistema imunológico quando atinge fetos ainda em formação.
Municípios de garimpo têm condições de vida piores que a média amazônica
Nos últimos anos, pesquisas vêm mostrando como o garimpo contamina cursos d’ água e fontes de alimentação, amplia o desmatamento, a disseminação de doenças, o consumo de drogas e álcool, a criminalidade e a violência.
Um estudo do ISA comprova que a exploração mineral predatória não promove o desenvolvimento e derruba os indicadores sociais na região onde ocorre. A ideia de que a atividade traz progresso, portanto, é um mito.
O levantamento aponta que o Índice de Progresso Social (IPS) médio dos municípios amazônicos afetados pelo garimpo é de apenas 52,4, menor do que a média para a Amazônia, de 54,5, e bem abaixo da média nacional, de 63,3. O IPS médio dos municípios garimpeiros é 4% menor que a média amazônica e 20% menor que a média nacional.
Políticas Públicas
O Ministério Público Federal (MPF) promoveu em maio de 2022 uma audiência pública para debater os impactos da contaminação por mercúrio na bacia do Tapajós e para deliberar sobre a criação de um fórum de discussão sobre a contaminação do rio, em Santarém. Já em setembro, 400 pessoas se reuniram na aldeia Muratuba, Território Tupinambá, em uma audiência pública popular promovida pelo movimento indígena do baixo Tapajós e produziram uma carta aberta exigindo providências sobre a situação.
Em dezembro, o Ministério Público Federal (MPF) requisitou à Polícia Federal (PF) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) que apresentassem informações sobre medidas para combater a mineração ilegal em território Munduruku. No final de outubro, o MPF já havia reforçado à Justiça Federal pedido para que a União, o Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai) fossem obrigados a realizar ação emergencial para conter novas frentes do crime na área.
Registros como os que mostram as águas completamente barrentas, poluídas pelo despejo de rejeitos do garimpo ilegal, e crianças nesse meio, são indicativos do complicado cenário vivenciado pelos Munduruku, apontou o MPF à Justiça.
Lama escurece águas do “Caribe Amazônico” em Alter do Chão
O garimpo ilegal também pode estar modificando a paisagem de um dos principais destinos turísticos da Amazônia, a vila de Alter do Chão. Chamado de “Caribe Amazônico”, o local é conhecido pelas águas límpidas e azuladas.
Segundo informações do G1 Pará, desde dezembro de 2021, um fluxo de águas turvas e barrentas surpreende turistas e moradores, que apontam a mineração de ouro como causa do problema.
Nas redes sociais, uma agência de turismo da região se manifestou. A atividade turística é a principal fonte de renda na vila.
“O Rio que já foi de um azul fascinante, está sendo assassinado! Águas barrentas, cheias de resíduos nocivos à saúde estão sendo despejados sem piedade alguma. Em sua maioria pela mineração irregular de inúmeros garimpos ao longo do rio”.
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Fonte: Fiocruz, G1 Pará e MPF