A devastação causada pelo garimpo ilegal na Amazônia deixa prejuízos não só sobre a floresta, mas também impacta na qualidade de vida das populações, em especial os povos indígenas que atualmente convivem doenças e distúrbios relacionados à contaminação por mercúrio. Em reportagem da Folha de São Paulo, indígenas do território Sawré Muybu, em Itaituba, denunciam o agravamento dos impactos na saúde que cresceram junto com o avanço da atividade ilícita.
O problema do garimpo nas Terras Indígenas não é novo, porém ficou mais crítico nos últimos anos, sendo que um dos principais alvos está no sudoeste paraense. Levantamento do Greenpeace mostra que, em 2018, 1.399 hectares do território ocupados pela atividade. Cinco anos mais tarde, a área ocupada chegou a 7.095 hectares, o que representa uma alta de mais de 400%.
“Houve um avanço das máquinas escavadeiras [dragas], que destroem o leito do rio. Só resta a doença, a malária, não há peixe para a gente se alimentar, nem água para beber”, conta Jairo Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawré Aboy, que chama atenção ainda para a mudança na coloração do rio Jamanxin, que passou do verde para o “café com leite”.
As alterações na paisagem, no entanto, são apenas a face mais evidente de problemas mais graves. Entre mulheres e crianças da comunidade cresceu também os relatos de doenças graves e problemas de desenvolvimento.
Alguns dos casos relatados são de uma menina de 10 anos mais baixa e magra que a irmã mais nova, de 8 anos; uma criança de 12 anos com problemas de coluna; e um menino de 4 anos que ainda não fala nem anda. Além disso, a população do território convive com níveis alarmantes de casos de malária e dificuldades de acesso aos serviços de saúde especializados.
A origem disso tudo seria a contaminação por mercúrio que se instala nos rios e no solo e permanece na alimentação. As evidências são apontadas por estudos científicos, como da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que aponta que 57,9% dos indígenas apresentaram níveis de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Entre os diagnósticos está o da filha de 10 anos de Rilcélia Kai Munduruku, que apresenta um desenvolvimento aquém do esperado para a idade.
“Foi um resultado muito impactante para nós, principalmente porque não tem cura, né? Fiquei preocupada. Nos disseram que era só para evitar, não deixar ela consumir muito peixe, mas é difícil. A gente tenta. Hoje, como mãe jovem, meu objetivo é lutar por essas vidas, das minhas filhas e defender a causa. Não vamos nunca baixar a cabeça”, afirma Rilcélia.
Diante do cenário alarmante, o estudo da Fiocruz está sendo aprofundado com a avaliação do estado de saúde de mães e bebês de até 2 anos. O recorte inicial incluía 41 gestantes e 29 puérperas. Desse total, apenas 27 bebês estão vivos.
“[A contaminação do mercúrio] está adoecendo as crianças, tanto é que acompanhamos de perto os resultados [da Fiocruz] e a gente sabe que o índice de mercúrio é elevado”, diz César Saw Munduruku, coordenador da Casa de Saúde Indígena (Casai) de Itaituba, um serviço especializado de acolhimento para famílias que aguardam a alta dos pacientes na região.
Em nota à reportagem, o Ministério da Saúde afirma que a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) criou uma nota técnica orientando a notificação de casos de intoxicação por mercúrio e que monitora a qualidade da água para consumo humano em aldeias indígenas. Já a Secretaria de Estado de Saúde do Pará (Sespa) destaca que criou um sistema de vigilância em saúde para identificar e tratar intoxicações, além de oferecer capacitação de profissionais de saúde nos municípios de Itaituba, Santarém e Tucuruí.
Por sua vez, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) diz que está em diálogo com lideranças indígenas da terra Sawré Maybu para realização de operações de combate ao garimpo. Em junho, três balsas e diversos motores utilizados em dragagem do rio Jamanxinzinho já foram inutilizados.
Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) destaca que a retormada das ações de fiscalização no atual governo levou a queda de 31% na abertura de novas áreas abertas para garimpo na Amazônia.