O Diário Oficial da União publicou na segunda-feira, 14/02, uma nota oficial que institui um novo programa de apoio à “mineração artesanal e em pequena escala”. A publicação foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que trocou o nome de “garimpo” por “mineração artesanal”.
O decreto é um aceno aos garimpeiros, responsáveis pelas extrações ilegais de ouro em áreas protegidas da Amazônia. Bolsonaro defende a atuação de grileiros e critica os órgãos fiscalizadores.
O texto afirma como foco as ações da Amazônia Legal, onde se concentram as reservas preservadas e indígenas protegidos.
O decreto cria uma comissão interministerial que irá definir como o governo atuará no programa. Os votos do projeto serão dos ministérios de Minas e Energia, da Justiça, da Cidadania, do Meio Ambiente e da Saúde, com coordenação nas mãos da Casa Civil, por Ciro Nogueira.
A segunda prescrição afirma que a Agência Nacional de Mineração (ANM) deve abrandar regras para concessão de garimpo e criar “critérios simplificados”. A agência tem 60 dias para responder o pedido, caso a resposta não venha no tempo concedido, a prescrição será concedida.
Segundo Ana Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), este decreto é uma afronta para a Amazônia.
“O decreto que estimula “mineração” em pequena escala, leia-se garimpo, é uma afronta para a Amazônia. Se sem nenhum estímulo a atividade tem sido um desastre ambiental e social, imaginem com estímulo”, afirmou.
De acordo com Larissa Rodrigues, doutora em Energia pela Universidade de São Paulo (USP) e gerente de portfólio no Instituto Escolhas, associação civil sem fins lucrativos que produz estudos, análises e relatórios sobre a sustentabilidade, “a forma do governo Jair Bolsonaro acabar com a legalidade na Amazônia é pegar a atividade ilegal e, na caneta, dizer que ela é legal”.
Ainda conforme afirma Larissa, “o que esse decreto está colocando aqui é, basicamente, dizer que o presidente da República, Jair Bolsonaro – como já tinha se posicionado diversas vezes ao longo dos últimos anos de que era a favor da atividade garimpeira – coloca institucionalmente que vai criar esse programa para desenvolver [o garimpo]”, completa.
O Greenpeace, em nota, também criticou este decreto duramente: “Além de incentivar mais desmatamento, grilagem e garimpos ilegais, agora o governo busca formas de legalizar esses crimes e avança com medidas que liberam mais destruição e contaminação ambiental, principalmente na Amazônia”, afirmou a entidade.
Terras indígenas
De acordo com uma pesquisa publicada no ano passado pela MapBiomas, a área ocupada pelo garimpo dentro das terras indígenas cresceu 495% nos últimos dez anos. E uma das mais ameaçadas por garimpeiros é a dos Kayapó, no Pará.
Além da questão da violência causada pelos garimpeiros contra as tribos indígenas da Amazônia, outro ponto precisa ser bastante levantado, que é a poluição dos rios pelo mercúrio, metal pesado que provoca vários danos à saúde, como distúrbios neurológicos, problemas de memória, insuficiência renal, entre outros prejuízos.
Mercado externo
Segundo o estudo “Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais”, lançado recentemente pelo Instituto Escolhas, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, quase a metade da produção nacional. A maior parte desse volume saiu da Amazônia.
Apenas cinco empresas do setor financeiro, que compram ouro de garimpos na Amazônia, foram responsáveis por um terço desse volume. “Apesar do enorme volume de ouro com indícios de ilegalidade, das teias de relações empresariais e pessoais que movem os garimpos, e das diversas documentações sobre seus impactos terríveis ao meio ambiente e aos povos indígenas, os Decretos Nº 10.965 e 10.966 confirmam que o governo federal e o presidente Jair Bolsonaro têm colocado em grande risco a preservação da Amazônia e os direitos humanos”, declara o instituto.
Já reportagem do site “Repórter Brasil” revelou no início de fevereiro que o ouro extraído ilegalmente nos garimpos da Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, alimentou a produção de um dos maiores líderes de metais preciosos da Europa: a Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais, sigla em italiano para Química Metalúrgica Toscana, uma gigante do setor que ocupa a posição número 44 entre as empresas que mais faturam na Itália. Em 2020, ela teve a maior receita da sua história: mais de 3 bilhões de euros (cerca de R$ 18 bilhões), um aumento de 76% em relação ao ano anterior.
Como informa o site, para chegar ao nome da refinadora italiana, a Polícia Federal investigou uma complexa organização criminosa do garimpo ilegal, formada por dezenas personagens que atuam no sul do Pará e que mantêm conexões com empresas sediadas em São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro – que, por sua vez, “lavam” (legalizam por meio de fraude) e exportam o metal.
O esquema foi desnudado em outubro do ano passado com a Operação Terra Desolata, quando foram expedidos 12 mandados de prisão e 62 de busca e apreensão, além do bloqueio de R$ 469 milhões das contas dos investigados. Hoje, três meses depois da operação, todos os detidos foram soltos por meio de habeas corpus, diz o “Repórter Brasil”. A íntegra da matéria pode ser lida aqui.