A ação para retirar de invasores da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, revela que autoridades, políticos e empresários importantes da região de São Félix do Xingu estão por trás da apropriação do território. Segundo denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF), as atividades ilegais teriam movimentado 48,8 mil cabeças de gado e parte desses animais, inclusive, teria sido comprada por grandes frigoríficos, conforme apurou a Folha.
O MPF analisou guias de trânsito animal e dados da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) para averiguar a origem e o destino do gado suspeito. O trabalho resultou em 31 ações criminais e 17 ações civis públicas que detalham os elos entre diversos negócios feitos sem as licenças exigidas.
Uma das denunciadas é Cleidimar Gama Rabelo, conhecida como Cleidi Capanema e ex-vice-prefeita de São Félix do Xingu. Ela seria proprietária do Sítio Capanema, que exerce ilegalmente a pecuária dentro da TI e teria movimentado 1.859 cabeças de gado. Segundo a denúncia, 94 desses animais foram vendidos para a Marfrig Global Foods, entre 30 e 31 de julho de 2019.
Outro acusado é o pecuarista Derly dos Santos Ramiro, que seria o dono da Fazenda Dois Irmãos, também localizada dentro da TI Apyterewa. Ao longo de dez anos, 17 guias de trânsito animal foram emitidas por Ramiro para a movimentação de 2.001 cabeças de gado, entre elas as de 16 animais que tiveram como destino a FriGol S.A.
Além disso, as denúncias do MPF citam ilegalidades atribuídas a Quesede Teixeira Teles, que foi chefe do escritório da Emater em Ourilândia do Norte e seria arrendatário da Fazenda Pontal Nova Vida. O imóvel localizado no território indígena teria destinado 280 cabeças de gado para outras propriedades.
As ações também mencionam as atividades de Cipriano Brito e Dorivan Dutra, acusados de enviar 26 cabeças de gado da TI ao parque de vaquejada Remor; além do fazendeiro Antônio Borges Belfort, também envolvido na venda de gado de terra indígena para frigoríficos e já investigado por manter um funcionário em situação análoga à escravidão.
O outro lado
À Folha, os dois frigoríficos se defenderam da acusação de aquisição de gado ilegal. A Marfrig disse que identificou o fornecimento de gado do Sítio Capanema, mas defende que na época a propriedade “se encontrava totalmente regular e aderente aos compromissos socioambientais assumidos pela empresa”. A nota ressalta ainda que a companhia encerrou suas operações no estado em 2020 e possui hoje uma “cadeia de fornecimento 100% rastreável e livre de desmatamento”;
Por sua vez, a FriGol S.A. afirmou não ter recebido os animais para abate. De acordo com a empresa, o sistema da Adepará mostra que o gado estaria ‘em trânsito’ e não foi recebido pela empresa.
Cleidi Capanema, Antônio Belfort, Quesede Teles e a Emater não responderam a reportagem. Já o advogado Vinicius Borba, que defende Derly Ramiro, diz que seu cliente tem a posse da propriedade desde antes da criação da terra indígena. Por fim, o advogado do grupo Remor alegou que seus membros “não pactuam com ilegalidades de toda e qualquer forma e repudiam veementemente tais atos.”.