Por Gisele Coutinho
O Pará Terra Boa valoriza o potencial hidroviário paraense, já que nosso território é considerado um Estado dentro d’água. Em todo o Brasil, somos os mais ricos em mananciais, com 73 dos 143 municípios ligados por rios. São 108 pontos de infraestrutura portuária, que servem para importação e exportação de mercadorias e transporte de pessoas.
Mas também sabemos que essa extensa rede aquaviária tira o sono de muita gente por causa dos interesses comerciais que nem sempre ouvem e respeitam a gente da terra. Por isso, o Para Terra Boa conversou com Ademar Ribeiro de Souza, presidente da Associação das Populações Organizadas Vítimas das Obras do Rio Tocantins e Adjacências, para saber o que o coletivo pensa da hidrovia Araguaia-Tocantins.
Trata-se de um projeto de via navegável até a hidrovia do Amazonas, desde Barra do Garças (MT), no rio Araguaia, ou Peixe (TO), no rio Tocantins, até o porto de Vila do Conde, próximo a Belém (PA). Possui potencial navegável em aproximadamente 3.000 km.
Pertencente ao corredor Centro-Norte, a hidrovia do Tocantins-Araguaia se divide em quatro tramos. O primeiro, de Peixe (TO) a Marabá (PA), com 1.021 km de extensão; o segundo, de Marabá (PA) à foz do Tocantins, com 494 km; o terceiro de Baliza (GO) a Conceição do Araguaia (PA); e o quarto trecho de Conceição do Araguaia à foz do Araguaia, no próprio rio Tocantins, onde apresenta limitações devido as grandes corredeiras do Araguaia.
“Estamos na luta pelo nosso povo. Não contra a Hidrovia Araguaia-Tocantins, mas a favor do nosso povo ser reconhecido como existente nessa região, pois é daqui que retiramos e também preservamos tantos recursos naturais existentes nessa região”, deixa claro.
A declaração espelha uma preocupação dos agricultores paraenses: a falta de diálogo com as comunidades afetadas pelos grandes empreendimentos.
“Ao longo dos anos, nossos povos sempre preservaram cuidadosamente esses recursos. Sabemos que é disso que dependemos para viver da fauna e da flora. Sempre tratamos o Rio Tocantins e seus afluentes como nossa fonte de sobrevivência. Aí vêm a construção de várias barragens, grandes empreendimentos, que fingem não ver nossos povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos, pescadores, agricultores, extrativistas e comunidades tradicionais. É como se a gente não existisse”, conta Ademar.
Implosão do Pedral do Lourenço
O ponto crucial para a obra começar é a implosão das rochas do Pedral do Lourenço para abertura e passagem de grandes embarcações carregadas, principalmente, de grãos. A área que conta com 43 km de extensão é uma bela formação rochosa no Rio Tocantins na região do Mosaico de Tucuruí. Sua destruição pode trazer impactos ambientais sobre as Unidades de Conservação do seu entorno.
É o que as comunidades ribeirinhas da região verificaram com a implantação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, construída na década de 1980.
“Não somos consultados sobre uma construção como essa. Sabemos da sua importância, já que a futura localização é na região onde um dos maiores rios está localizado, dá acesso através do porto de Vila do Conde e de Barcarena. Será possível escoar a produção do Pará para o mundo, mas a consequência é que também deixará grandes sequelas para uma população até hoje não reconhecida pelos poderes e por grandes empresas, como a Vale e o Porto da Cargill (Estações de Transbordo de Cargas em Miritituba)”, acrescenta Ademar.
Sua preocupação maior é com a derrocada dos pedrais:
“Causará grandes impactos ambientais à toda população que margeia o Rio Tocantins na região onde serão detonados os pedrais. Entre eles, a última cachoeira existente na região, que é no Pedral do Lourenço, localizado no final da represa do reservatório da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Causará impacto até chegar a Marabá”, completa.
O próprio Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), encomendado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), aponta que a atividade pesqueira na área geográfica é relevante. Dados oficiais do IBGE afirmam que a pesca gera em torno de 6.500 postos de trabalho nos municípios da área em questão, com destaque para Baião, Breu Branco e Tucuruí.
O documento aponta ainda que o número de pessoas que trabalha na pesca chega perto de 12 mil.
Plebiscito
A chamada derrocagem do Pedral do Lourenço é tão polêmica que tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) o Projeto de Decreto Legislativo n° 01/2022, de autoria do deputado estadual Bordalo (PT), que propõe a realização de um plebiscito sobre a destruição dessa beleza natural. A aplicação da consulta será apenas na região do Mosaico de Tucuruí e não em todas as regiões afetadas pela implosão.
“Queremos participação no debate que envolve a construção da hidrovia. Observamos que não vão recuar, pois já construíram uma etapa importante, que é eclusa de Tucuruí, onde acontecerá a transposição das barcaças no local onde há mais de 30 anos foi vedado o direito dos nossos povos de ir e vir pela barragem de Tucuruí, onde antes era uma estrada usada por nós ribeirinhos”, lembra Ademar.