A comunidade do Programa de Assentamento (PA) de Volta Grande do Xingu, no sudoeste do Pará, vive há 22 anos sob ameaça de despejo por causa de um projeto de exploração da mineradora canadense Belo Sun em parte da região. A ideia da multinacional é transformar seus terrenos vizinhos ao assentamento na Vila da Ressaca, uma localidade da região, no maior projeto de extração mineral a céu aberto da América Latina.
A novidade dessa história de conflito com os interesses da comunidade formada por 600 famílias é que o Incra, órgão responsável por implantar reforma agrária no País, fechou recentemente um acordo com a Belo Sun para reduzir o tamanho do assentamento, conforme revelou o jornal “O Estado de S.Paulo” nesta terça-feira, 7/12. A redução é de 2.428 hectares dos 26,1 mil hectares do PA, de acordo com a publicação.
Em troca, o Incra concordou em receber uma fazenda localizada a mais de 1.500 quilômetros de distância dali, no município de Luciara, em Mato Grosso, nas margens do Rio Araguaia. O acordo aponta, especificamente, o repasse ao Incra da Fazenda Ricaville, que tem área de 1,898 milhão de hectares em MT. O órgão não explica a quem se destina a fazenda. Não menciona se pretende remover famílias do Pará para Mato Grosso.
A negociação determina ainda, conforme o jornal, que a Belo Sun compre, para o Incra, duas caminhonetes com tração 4×4 e de cabine dupla, dez notebooks, dez tablets, quatro scanners e quatro aparelhos GPS do tipo “RTK”.
De forma ilegal e irregular, a multinacional fez, diretamente, a compra de ao menos 21 propriedades de áreas dentro do assentamento, segundo levantamento do pesquisador Elielson Pereira da Silva, doutor em Ciências e Desenvolvimento Socioambiental da Universidade Federal do Pará.
Redução
Criado no dia 3 de setembro de 1999, o PA Ressaca ocupa parte de Altamira e de Senador José Porfírio, e é circundado por outros projetos de reforma agrária como o Assurini, situado na Volta Grande; o Itapuama; o Itatá; e o Laranjal, conforme informa o site “Brasil de Fato”.
O assentamento resultou da destinação de uma parte da Gleba Ituna, arrecadada e matriculada pela União, em 1982. No documento de criação a área do PA foi estimada em 30,2 mil hectares e com capacidade de assentar 340 famílias.
Em 2019, após a adequação do local ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), a área do PA registrada pelo Incra passou a ser de 26,1 hectares, 4,1 mil hectares menor.
“Foi feita uma etnografia desses atos administrativos, no âmbito dos processos do PA Ressaca desde antes da sua criação. Então, nos últimos 20 anos a gente fez esse levantamento todo e não há um ato administrativo que tenha reduzido a área do PA Ressaca. O que teria justificado esse registro de 26 mil hectares ao invés dos 30 mil hectares? Essa é uma pergunta a se fazer”, questionou o pesquisador Elielson Pereira da Silva.
O “Brasil de Fato” informa ainda que o projeto “Volta Grande”, da mineradora Belo Sun, incide em 2,05 mil hectares do PA Ressaca.
O professor da UFPA explica que o conflito vem desde o período da ditadura.
“A Belo Sun comprou direitos minerários que pertenciam à Oca Mineração. Essa empresa deu entrada em pedidos de exploração mineral por volta de 1976. Depois, nos anos posteriores, a Oca mineração, que tem que todo um histórico de violências praticadas contra os pequenos garimpeiros e os povos tradicionais, mudou de nome e passou a se chama Verena Mineração. Em 2010, a Verena foi comprada por Belo Sun e passou a se chamar Belo Sun Mineração”, detalhou.
Resposta
O Incra respondeu ao Estadão que aceitou a negociação envolvendo a fazenda em Mato Grosso por não ter encontrado terra legalizada que pudesse ser adquirida para os assentados nas proximidades da região onde vivem. O Incra revelou ainda que a negociação já era tratada há anos com o órgão.
A mineradora declarou que as concessões de pesquisa mineral e a criação do assentamento “ocorreram em momentos distintos, mas a importância do acordo supera essa discussão, pois são estabelecidos condicionantes ao uso da área do Incra”, por meio de pagamentos pelo uso da área pública e “medidas indenizatórias ao programa de reforma agrária”.
A companhia declarou que o acordo “resolve uma sobreposição da área do Projeto Volta Grande e uma pequena porção de terra do Projeto de Assentamento Ressaca”, de propriedade do Incra. “Não podemos esquecer que a atividade de mineração tem rigidez locacional, o que nos impede de criar alternativas locacionais para o projeto”, afirmou.