A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte transformou o Rio Xingu e provocou impactos diretos na vida das populações locais. Perda da biodiversidade, a mortandade e queda na reprodução dos peixes, riscos de assoreamento, prejuízos à navegação e o aumento da violência são apenas alguns dos efeitos observados em Altamira, onde pesquisadores descobriram também que a maioria dos moradores está vulnerável à insegurança alimentar.
A revelação foi divulgada em artigo no International Journal of Environmental Research and Public Health. Segundo o estudo, 61% dos domicílios de Altamira apresentam algum nível de insegurança alimentar e nutricional, definidos conforme a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia).
Nessa metodologia, informações socioeconômicas são cruzadas com as respostas dos entrevistados sobre a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos em categorias que vão desde o insuficiente até o patamar adequado.
“Verificamos que os piores níveis de insegurança alimentar e nutricional estavam associados a domicílios mais pobres, cujos responsáveis possuíam baixo nível de escolaridade e taxas mais elevadas de desemprego. Além disso, os domicílios que sofriam mais de insegurança alimentar tinham um maior número de moradores. As famílias deslocadas de suas antigas áreas de moradia e reassentadas também enfrentavam insegurança alimentar maior”, resumiu o demógrafo Igor Cavallini Johansen em entrevista à Agência Fapesp.
De acordo com a pesquisa, a combinação de diferentes fatores contribuiu para produzir a situação de insegurança alimentar, porém o fenômeno foi intensificado pela pobreza e pelo deslocamento de várias comunidades para os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), assim como houve um agravamento com a pandemia de Covid-19.
“O impacto causado pela construção da barragem aumentava significativamente a probabilidade de os moradores residirem em áreas de reassentamento; isso ampliava as chances de a família pertencer às camadas sociais mais pobres; o que, por sua vez, implicava risco de insegurança alimentar. Em 69,7% dos domicílios, os moradores tiveram maior dificuldade de acesso às quantidades e tipos desejados de alimentos após a conclusão da construção da barragem, em 2015″, acrescenta Johansen.
Para os pesquisadores, as evidências sobre o alto índice de ocorrência de insegurança alimentar na região da usina de Belo Monte revelam que os impactos socioambientais do empreendimento foram subdimensionados e seu retorno social continua inferior ao dano provocado.
“Foi chocante constatar um quadro com 61% de insegurança alimentar quando o consórcio construtor da hidrelétrica alega ter investido R$ 6,5 bilhões (aproximadamente U$ 1,3 bilhão) na região voltados a ações socioambientais e de sustentabilidade no período entre 2016 e 2022. O que foi feito desse dinheiro todo?”, questiona Igor Johansen.